O causo do sapo carreteiro
Silvano sempre foi um
cara cheio de histórias. Não tinha um dia sequer que não chegava à vendinha do
seu Odair e enchia o ouvido de todos com um de seus famosos causos ou ideias
mirabolantes. Todos da pequena cidadezinha de Tripolândia já conheciam as
façanhas e histórias de Silvano. Entre vários apelidos que os cidadãos da
cidade lhe davam, estavam de “senhor das moscas”, “deus da sabedoria”, “bateria
do conhecimento”, “rei dos eventos futuros”, ou simplesmente “Doutor”. Por esse
último, convenhamos, ele tinha um certo apresso, e por vezes até utilizava o
título de maneira abusiva, mas nada que causasse incômodo nos cidadãos da velha
Tripolândia, que adoravam ouvir e comentar seus causos. Todos os sábados alguns
dos trabalhadores da cidade se reuniam na vendinha do seu Odair, para o velho e
saboroso apreciar da boa cachaça. Era um grupo já conhecido, e bastante próximo
de Silvano, de modo que todos chegavam mais cedo para apostar que tipo de
história Silvano teria para contar. E tudo começou com a história do sapo
carreteiro.
Em uma de suas andanças
pelas terras ermas de Tripolândia, Silvano encontrou um dia seu grande amigo,
porém invisível aos olhos dos companheiros da vendinha do seu Odair, Renan
Coelho, mas que passou a ser chamado por Silvano de “Cuei”. A história começa
aqui.
Depois da ribanceira do
espraiadinho, tinha uma velha represa há muito abandonada, quase ninguém aparecia
por lá. Peixe não tinha; água pra nadar tinha na lagoa do seu Jóca, mas por
algum motivo foi nessa represa que Silvano encontrou Cuei e com ele fez uma
longa e frutífera amizade, cheia de histórias.
Era umas 15:30 hs, quando
Silvano passou pela represa e viu um certo indivíduo abaixado e conversando com
algo no chão, sem entender aquilo, Silvano resolveu perguntar:
__ Boa tarde, meu senhor!
__ Por enquanto sim, meu
companheiro!
__ Desculpe me intrometer,
mas não pude deixar de notar o senhor ai abaixado perto da represa e
conversando, mas o problema é que não vejo ninguém, por um acaso é doido? Silvano
sempre tinha um jeito “carinhoso” e “sutil” de dizer o que pensava.
__ Não senhor! Sou doido
não! Não vês o que estou a fazer?
__ Vê até vejo, só não
estou entendendo porque alguém falaria sozinho à beira de uma represa velha.
__ Estou convencendo o
sapo.
__ Depois me chamam de
doido! Convencendo o sapo?! Desculpe-me senhor, vou deixá-lo a sós com seu
sapo. Até mais ver!
__ NÃO FAÇA ISSO! E com o
grito, Silvano chegou a levar a mão até sua peixeira assustado.
__ E porque não? Disse
meio ofegante, enquanto soltava a mão da bainha.
__ O sapo não deixa.
Estou há quase uma hora tentando convencer ele de que não tinha intenção de
entrar em seu território. Você sabe não é?! Esses sapos são muito
territorialistas. Mas deixe me apresentar adequadamente, sou Renan Coelho.
__ Prazer! Silvano. Mas
me diga uma coisa. Você realmente acha que está falando com o sapo? Silvano
perguntou por uma curiosidade que sempre movia seu pescoço para os lados,
alguns diziam que ele tinha orelhas até nos cotovelos. Escutava tudo, e contava
tudo.
__ Se quiser meu amigo,
deixo o senhor tentar, já que também entrou no território dele, mas vou logo
avisando, ele não está de bom humor, e na primeira tentativa que fiz pra fugir,
ele quase me mordeu, ele é muito rápido, por sinal.
__ Me dá licença, vou lhe
mostrar que o senhor não está regulando bem. E assim, Silvano se agachou
próximo ao sapo que até então nem tinha visto. O mesmo estava de olhos bem
abertos e agora fixos em Silvano, o que já lhe causou certa estranheza. Ao
tentar aproximar sua mão do sapo, Silvano olhou pra trás na direção de Cuei
como quem dizia “veja que não há nada demais nesse sapo”, mas uma pata pegajosa
surgiu de repente e tocou a sua mão como que do nada, e Silvano se viu
congelado diante da situação. Aos poucos foi tentando voltar seus olhos para o
sapo, embora sabia que algo dentro dele dizia para correr. Ao olhar fixamente
para o animal, viu que o mesmo tinha levantado a pata direita e tocado sua mão
como que num sinal de proibição, e foi quando sua mente sofreu talvez o maior
choque.
__ O que pensa que está
fazendo? Não te dei liberdade para me tocar. Quero uma explicação do porquê
você e seu amigo vieram me incomodar nos meus domínios. Não vê que estou
protegendo meus filhotes? Exijo uma explicação e um pagamento, do contrário,
terei que aniquilar a todos.
Chocado, Silvano mal
conseguia afastar sua mão da pata “ensaboada” do sapo, e aos poucos tentava
recobrar os sentidos diante da cena inusitada. Olhou pro Cuei uma, duas, três vezes,
sem entender nada, foi quando do mais profundo do seu ser, conseguiu emitir as
palavras:
__ Senhor sapo, não quis
incomodar vossa senhoria, mas se me permitir, retirar-me-ei juntamente com meu
amigo o mais rápido possível, basta dizer o que temos que pagar. Foi quando ele
ouviu a proposta mais indecente de sua vida.
__ Preciso do dedão do pé
direito de cada um. E resoluto, o sapo tocou o próprio queixo. Sem saber o que
fazer, Silvano olhou para Cuei, que o chamou pedindo permissão ao sapo.
__ Senhor sapo, posso
confabular com meu amigo uma maneira de realizar esse pagamento? Ao que
respondeu o sapo de maneira irritada.
__ Que seja rápido! Tenho
que alimentar meus filhotes com esses dedos, para que eles possam desenvolver a
habilidade de correr. Nessa hora, os dois perceberam que o sapo falava sério, e
não teriam outra saída a não ser fugir.
__ O que vamos fazer?
Perguntou Silvano.
__ Não vou cortar meu
dedo, de jeito nenhum. Temos que enganar ele de algum modo. Você tem algo que
se pareça com dedo? Perguntou Cuei meio disperso enquanto olhava para os lados.
__ Ah sim? Sempre carrego
minha bolsa de dedos para essas ocasiões! Disse sarcasticamente Silvano
enquanto recebia uma olhada severa de Cuei.
__ Vamos ter que forjar
um então. Me dê seu fumo! Quando ouviu isso, Silvano pareceu mais insultado do que quando tinha ouvido a proposta do sapo.
__ E vou fumar o que
depois? A resposta parecia automática, mas só depois Silvano percebeu o que
dizia.
__ Tá bem! Tome! Mas o
que pretende fazer?
__ Você conversa com ele
enquanto faço os dedos falsos.
__ Mas vou dizer o que?
Perguntou angustiado.
__ Conte alguma história, sei lá, mas mantenha
a visão dele longe de mim.
__ Ao se aproximar do
sapo, Silvano percebeu que o mesmo estava irrequieto, agitado, e percebeu que
ele tinha muita habilidade nas pernas, andando rapidamente de um lado para o
outro, foi quando teve a ideia de perguntar como ele conseguia fazer aquilo.
__ Meu caro sapo! O meu
amigo Cuei está tentando se adaptar à ideia de perder o dedão, e pediu um pouco
de privacidade para pensar nisso. Durante esse tempo, será que o senhor poderia
me explicar como fará uso desses dedões e como o senhor adquiriu a habilidade
de falar e correr? O Sapo por um minuto pareceu desconfiado com aquele
interesse, mas demonstrou-se bastante solicito.
__ É simples, alguns
animais possuem a capacidade evolutiva da linguagem, isso não foi diferente na
minha espécie. Já os dedões, darei para meus filhotes comerem, assim como meu
pai fez comigo, e ao ingeri-los eles desenvolverão a habilidade de correr. Foi
nessa hora que Silvano teve outra ideia brilhante, mas precisaria da ajuda de
Cuei para executá-la.
__ Vou ver se o Cuei já
está preparado, mas antes, gostaria de fazer uma aposta com o senhor. O pedido
não poderia ser mais oportuno. O Sapo demonstrou tanto interesse que pareceu
até manifestar um olhar de deboche para Silvano, que prosseguiu.
__ Porque não apostamos
uma corrida? Se o senhor ganhar, dou-lhe os dois dedões meus, se eu ganhar,
vamos embora e nunca mais o incomodamos. De qualquer modo o senhor não perde
nada.
O Sapo ficou pensativo, e
com olhar fixo em Silvano disse: __ Aceito! Mas com uma condição, de que seu
amigo também me dê os dois dedões. O pedido era complicado, pensou Silvano, mas
se convencesse Cuei da proposta, o plano daria certo.
__ Falarei com meu amigo
agora, e volto para ter com o senhor. Ao caminhar em direção a Cuei, Silvano observou
que o Sapo estava bastante empolgado com a corrida e chegava a dar saltos
comemorativos, como quem já estivesse cantando vitória, foi quando viu o
desespero de Cuei e perguntou.
__ O que aconteceu?
__ Fumei!
__ Como assim?
__ Fumei tudo, Silvano!
Tava nervoso, pensando num jeito de ajeitar os dedões, mas pra pensar melhor
preciso fumar um, daí enrolei um, enrolei outro, daí já viu né?
Silvano parecia muito
mais nervoso com o fato de Cuei ter fumado tudo do que com a noticia de que o
primeiro plano não havia dado certo.
__ Sem problemas, seu
viciado! Mas depois de hoje vai me pagar um mês de fumo na venda do Odair. Faça
o que eu te disser. Tive uma ideia melhor. Você vai admitir que aceitou dar
seus dois dedões para o Sapo e vou colocá-lo como Juiz da corrida.
__ Quê corrida? Tá louco?
Meus dois dedões? Interrompeu desesperado Cuei.
__ Fique tranquilo, sou
ótimo corredor e esse sapo é muito metido. Você vai ficar parado e dar a
largada, quando a gente começar a correr, você vai para a direita e corre feito
louco, praquele lado só tem bambuzal, ele não vai se arriscar lá, eu vou correr
pra esquerda e confundir ele. Mas lembre-se, quando sair correndo, preciso que
grite bem alto “vou comer a filha do sapo”.
__ Mas porque gritaria
isso? Perguntou abismado Cuei.
__ Porque ele vai ficar
ofendido, e se entendi bem, a coisa aqui é de família. Faça como disse, e vamos
sair logo.
Não deu outra, os dois se
dirigiram ao Sapo, e Silvano anunciou os termos da corrida. Ao concordar, os
dois se dispuseram um ao lado do outro, enquanto Cuei ficou parado esperando
para dar a largada. E assim o fez. O Sapo disparou ao lado de Silvano, que
mostrou bastante habilidade na arte de correr, um olhando pro outro, nessa hora
Cuei deu o grito e saiu correndo. Revoltado, o sapo percebeu tudo e resolveu
tirar satisfação com Silvano que já conseguia manter certa distância quando
levou o maior susto de sua vida ao ver o sapo preso à sua bunda que com olhar
furioso ainda disse: __ Me enganou seu safado, mas vou marcar sua bunda pra
sempre.
E foi assim que Silvano,
o doutor, conheceu o sapo carreteiro, como passou a ser chamado em toda a
cidade, e foi assim que ele conheceu Renan coelho, o Cuei, e foi assim que ele
contou pra todos os amigos na vendinha do seu Odair. E quando lhe perguntam da
marca..., bom..., essa ele reluta até hoje em mostrar.
Bom, esta história do sapo carreteiro é bem conhecida! Já tinha ouvido falar dela, mas não sabia dos detalhes, principalmente no que diz respeito ao chicote do Doutor!
ResponderExcluirÉ de uma fonte bastante fidedigna. Este individuo, conhecido pelas bandas de Tripolândia, é bem famoso. Pretendo ainda contar outros causos dele, como dos discos voadores, do passarinho belga, etc.
Excluir