A educação contemporânea se alicerça na lógica capitalista e, consequentemente, na racionalidade tecnológica assumindo o estatuto da centralidade. Segundo Mészáros, uma das funções principais da educação formal no sistema capitalista é a de produzir entre os educandos uma conformidade ou consenso no mais alto grau possível, e tudo isso dentro e por meio dos próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. (MÉSZÁROS, 2009). Nesse modelo de educação, a ideia é assegurar que cada indivíduo adote como suas as próprias metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema. É absurdo pensar educação hoje sem integrar essa ao modo de produção na qual ela se insere, mais absurdo ainda seria pensar uma educação institucionalizada que se proponha de maneira contrária ao que o sistema impõe. É nesse sentido que podemos dizer como dissemos no início do texto que todo o alicerce da educação contemporânea está assentado na lógica capitalista e na sua dinâmica.
Dentro desse cenário, como pensar a relação entre educação e tecnologia sob um ponto de vista crítico? Como discutir categorias tão fundamentais ao pensamento humano como as categorias de dominação, democratização e cultura em uma sociedade completamente dominada pela racionalidade tecnológica? É possível falar de uma educação para a emancipação considerando o indivíduo no tempo da sociedade tecnológica?
Diferente do que faz parecer o texto dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), que afirma claramente que o desenvolvimento tecnológico resultou diretamente no bem da formação e humanização do indivíduo, a realidade nos mostra outra coisa. Em resumo, o texto trata, dentre outras coisas, da relação entre as ciências humanas e a tecnologia. A proposta é oferecer um modelo de projeto pedagógico renovado em comparação com os antigos modelos utilizados. Projetos que proporiam uma maior aproximação entre as atividades pedagógicas e a tecnologia. Ao abordar o tema, o texto começa retratando o fato de que quem vive o cotidiano escolar já percebe que os velhos paradigmas educacionais, com seus currículos estritamente disciplinares, revelam-se cada vez menos adequados, com reflexos no aprendizado e no próprio convívio. Segundo o texto, os números apontam a necessidade de uma revisão da escola que era, em suma, preparatória para o ensino superior, o que não ocorre mais. A ideia é que ao discutir novas tecnologias na escola, o aluno não seja exclusivamente preparado para o ensino superior, mas também tenha uma preparação para a vida profissional e o mundo do trabalho.
Além disso, o texto defende que as disciplinas devem ser capazes de promover um conjunto de competências como complemento à formação pedagógica dos estudantes. Essas competências seriam: 1) comunicar e representar; 2) investigar e compreender; 3) contextualizar social ou historicamente os conhecimentos. A prática docente estaria voltada, então, para o desenvolvimento dessas competências e habilidades, bem como na realização de atividades escolares significativas e contextualizadas ao momento histórico e cenário tecnológico.
O que há na realidade é uma glamourização e uma fetichização das tecnologias no universo educacional. A reforma educacional nos moldes mercadológicos associa a formação do indivíduo aos critérios de competência, tal como defende o texto dos PCN, com vistas ao domínio de novas tecnologias de informação e comunicação, mas que no fundo esconde um processo de embrutecimento na formação dos estudantes e um condicionamento para o universo mercadológico do trabalho, que exige cada vez mais o conhecimento de tecnologias ao mesmo tempo que exige conformismo com a realidade. Que fique claro, nosso texto não nega a necessidade de desenvolvimento de competências nem de novas tecnologias que possam vir a favorecer o processo formativo, mas a crítica incide sobre o alicerce dessas ideias, que está totalmente fundado na racionalidade tecnológica típica do capitalismo avançado.
Ademais, o texto transmite uma ideia um tanto quanto falsa de que em conjunto com o progresso tecnológico se deu, também, o progresso humanístico. Essa contradição histórica já havia sido apontada por Marx quando este, juntamente com Engels, anuncia que se de um lado temos o avanço técnico, como aumento do poder do homem sobre a natureza, como enriquecimento e como progresso, por outro temos a escravidão (servilismo) da classe operária cada vez mais empobrecida e alienada (MARX, 2010).
Ao pensarmos criticamente a relação entre a educação contemporânea e aquilo que se acostumou chamar de novas TCIs (tecnologias de informação), lembramos de Adorno e a ideia da pseudoformação. A ideia de que a submissão completa da educação aos instrumentos tecnológicos atuais poderia trazer um ganho maior ao educando pode ser uma ideia falaciosa e tendenciosa. Disfarçada de democratização da cultura, a defesa intransigente das tecnologias pode ser, na verdade, um instrumento para a manutenção da ordem social vigente.
Quando se fala de educação em tempos de sociedade tecnológica deve-se tomar cuidado para não cair em um maniqueísmo ou em um negacionismo. Não se está criticando a tecnologia em si, mas o uso que se faz dela, o modo como ela é produzida e controlada e o modo como se pretende aplica-la na educação para reproduzir um conformismo à ordem social vigente.
Antes de mais nada, é preciso entender que a incorporação de tecnologias na educação segue a passos cada vez mais largos e já se tornou algo muito comum. De acordo com o que dissemos acima, não é a presença ou a tecnologia em si que deve ser vista com olhos críticos, mas o uso que se faz dela. Cabe diferenciar também o uso inevitável da tecnologia na educação, quando falamos do uso de multimídia na sala de aula e até em pautas de pesquisas acadêmicas, daquele uso enviesado que reproduz o modelo vigente.
As tecnologias estão relacionadas a uma determinada cultura, contextualizada em um momento histórico, social, político e econômico. Não se trata apenas de equipamentos ou instrumentos físicos, mas sim de uma organização do processo produtivo. Por isso que temos que ter bem claro que não se trata de falar e defender o uso de instrumentos de trabalho em sala de aula, coisa que acontece como que automaticamente durante os processos de mudança nos modelos de ensino. Discutir tecnologia e educação de maneira crítica é discutir como aquela pode se tornar um instrumento para a manutenção da ordem vigente se utilizando da educação. Como diria Marcuse (1999, p73), “...a tecnologia é uma forma de organizar e perpetrar (ou modificar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação.”
O uso da tecnologia se tornou mecanismo de dominação do homem sobre a natureza e sobre ele mesmo. Junto com o esclarecimento e o domínio das mais variadas técnicas na contemporaneidade, veio a eliminação da própria condição de humano e sua autoconsciência. Quando o texto dos PCNs defende a adesão por completo ao discurso da racionalidade tecnológica, eles condicionam a formação de professores e toda a educação também de acordo com essa racionalidade tecnológica. Na ânsia de estar inovando no processo de formação, o texto defende de maneira acrítica a utilização de novas tecnologias, incorporadas ao processo formativo pela educação, mas esquecem que isso não torna o processo pedagógico imune ao ciclo vicioso de alienação do indivíduo que a racionalidade tecnológica pode gerar. A formação pela educação fundamentada no domínio da técnica e da tecnologia segue os ditames do capital, caracterizando uma pseudoformação, ou aquilo que Adorno chama de deformação da consciência. Essa pseudoformação reforça a alienação e cria uma casta de estudantes totalmente voltados única e exclusivamente para a satisfação da lógica mercadológica.
O projeto cultural no contexto da sociedade tecnológica é perpetuar o comportamento padronizado instaurado pela sociedade burguesa. O desafio de uma educação que pense criticamente o uso das tecnologias e vise a emancipação dos indivíduos é o de romper com a consciência coisificada, propiciada pelas relações unilaterais entre tecnologia e usuário. Essa consciência coisificada é um estado de indiferença, de efemeridade e absoluta alienação.
Essa leitura do caráter alienante das tecnologias não pode ser tão radical a ponto de negar por completo o seu uso. É possível pensar um uso crítico desse aparato tecnológico a fim de romper com a consciência coisificada, uma vez que estamos todos presos à sociedade tecnológica. Basta fazer da própria sala de aula um espaço de crítica a esse modelo de sociedade e de reflexão sobre os usos da tecnologia na formação do docente e na condução dos processos pedagógicos. É preciso repensar as políticas públicas que, por inúmeras vezes, promovem o empobrecimento da experiência crítica na trajetória dos professores por uma formação que mais contempla a instrumentalização e a especialização com caráter reducionista e fragmentado, reproduzindo a racionalidade tecnológica. Uma saída é a resistência a esse aligeiramento e à instrumentação através de uma práxis educativa. Essa práxis oportunizaria experiências entre os indivíduos e a cultura.
As tecnologias por si só são incapazes de promover a formação pela educação com vistas à emancipação e ao livre pensar. É necessária uma formação docente política e cultural para se contrapor às condições de superficialidade e fragmentação do conhecimento. A racionalidade tecnológica controla a possibilidade de experiências e faz com que a ordem social se sobreponha sobre a experiência formativa pela educação. A práxis educativa deve romper com essa lógica e garantir ao processo formativo autonomia e capacidade crítica, inclusive no uso dos instrumentos e da tecnologia em favor dessa formação crítica. A educação e formação burguesa, determinada pela racionalidade tecnológica e que se legitima no mercado e no mundo administrado (tal como queria Taylor), resulta em processos de massificação e alienação da consciência. A tecnologia, nesse universo, deixa de ser instrumento de emancipação e passa a ser instrumento de dominação irrestrita e inconsequente da natureza e do próprio homem. Essa é uma crítica, como já dissemos, não ao uso das tecnologias em si, mas uma crítica às estruturas da sociedade tecnológica baseada na razão instrumental e na racionalidade tecnológica.
Contrária à essa dinâmica de formação alienante, uma práxis educativa pode e deve ser resultante de um permanente exercício intelectual crítico. Portanto, é preciso opor-se à barbárie que se cristalizou nas escolas, completamente dominadas pelo modo tecnicista de pensamento. O mesmo se dá nas universidades quando se trata da formação docente, completamente tomada pela ideia de mera transmissão em larga escala e em maior quantidade possível de informação em detrimento do conhecimento.
A função das escolas e universidades deve ser, dentre outras coisas, a de conscientização, por isso é fundamental que as experiências formativas constituam uma possibilidade de emancipação dos professores que serão futuros agentes de emancipação nessas instituições. Romper com a racionalidade tecnológica e com a coisificação da consciência é fundamental nesse sentido. Que fique claro mais uma vez, a proposta aqui é uma crítica ao tecnicismo, à racionalidade tecnológica, à lógica mercadológica que instrumentaliza a formação e o conhecimento, em nenhum momento a crítica se volta para o uso de tecnologias como instrumento para o desenvolvimento humanístico e científico. A tecnologia não pode ser vista como fim, mas meio. A escola atual, aliada ao caráter tecnológico da sociedade, visa produzir máquinas a serem integradas ao sistema e promoverem ainda mais a radicalização da técnica nos processos de formação e nas relações sociais. É no mercado que esse modelo se legitima e é para ele que essa escola trabalha. Não há sentido em falar de escola se esta não for capaz de criar consciência crítica e romper com essa racionalidade. Do contrário, não estamos falando de escola, mas de controle e reprodução. Uma indústria que renova, constantemente, as engrenagens do status quo.
Se não forem bem utilizadas e concebidas de maneira crítica, as tecnologias podem se tornar instrumento de controle do tempo e do espaço em detrimento da dimensão humana por parte daqueles que dominam a ordem social vigente. É notório que a tecnologia poderia libertar a sociedade da miséria e da exploração, e isso está para além de seu uso na sociedade do capital, um uso mercadológico e fetichizado. Ademais, as tecnologias deveriam ser meios e não fins. Na sociedade contemporânea a educação é banalizada e reduzida à mera instrumentalização e uso das tecnologias. Enquanto fábrica de máquinas, a escola simplesmente reproduz a lógica do mercado formando indivíduos acríticos, mas preparados para se integrarem como engrenagem ao sistema. Alicerçar a educação nos moldes da racionalidade tecnológica é correr o risco de legitimar e manter a realidade tal como se apresenta e reproduzir continuamente seus valores. Qualquer possibilidade de mudança ou mesmo de crítica fica completamente reduzida. Ou se pensa criticamente o uso das tecnologias na educação, ou esse uso será sempre aquele enviesado e proposto pelos grupos que dominam a tecnologia. No final, ela será instrumento para a manutenção da dominação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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MÉSZÁROS, I. Educação para Além do Capital. 2ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
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