terça-feira, 30 de julho de 2013

A mais bela de todas as artes.

Bom, todos tem um motivo pra encontrar em todo tipo de arte uma identificação, uma descrição de um momento vivido, de uma vontade, de uma ideia pessoal, enfim, todos procuram motivos para expressar sentimentos, e a arte talvez seja a maior válvula de escape para essas volições internas. A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo grego techne, técnica, significando: o que é ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Em sentido lato, significa habilidade, destreza, agilidade. Em sentido estrito, instrumento, ofício, ciência. Seu campo semântico se define por oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. Por isso, em seu sentido mais geral, arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer.

    O que há de espantoso nas artes é que elas realizam o desvendamento (ou desvelamento) do mundo, recriando o mundo noutra dimensão e de tal maneira que a realidade não está aquém e nem na obra, mas é a própria obra de arte.  A meu ver, não há, nem nunca houve, nem haverá (frase bem complicada) uma arte superior, mais bela, ou capaz de atingir no mais profundo dos seres do que a música. E não importa o gosto musical, desde clássica ao funk, a música permite catarse. O belo, capaz de ser transmitido e acessado pela música, está intimamente ligado a aspectos cognitivos e morais. Assim como transcendo meu mundo via catarse musical, outros o fazem via instrumentos distintos, mas a arte, de modo geral, é aquela que mais permite isso. A música que escuto, traduz a minha alma, a poesia que faço, também, mas a música continua sendo, para mim, a mais bela de todas as artes. Alguns veriam no quadro de Edward Munch – expressionismo alemão - uma maior possibilidade de realizar catarse do que em uma música do Pink Floyd, ou mesmo uma escultura de Michelangelo, ou em um filme com excelente roteiro, ou mesmo em um daqueles cujo objetivo é apenas fazer barulho e entreter a visão, não importa, a sua catarse é a sua catarse, e você sempre encontrará um meio para realizá-la. Enfim, a arte está ai para isso, para nos socorrer de nossos monstros mais terríveis.
Assim como todos, eu também tenho os meus monstros, aqueles que me consomem, aqueles que me perseguem, aqueles que lutam comigo, aqueles que me ajudam, aqueles que me matam. Onde vivem os seus monstros? 


A música me faz lembrar, a música me faz sentir, quem não lembra e não sente, não vive...

Thiago Oliveira



sábado, 20 de julho de 2013

The Royal Philharmonic Orchestra - Hits of Pink floyd

O meu primeiro post foi sobre o Pink Floyd, inúmeros dos vídeos que coloco aqui são deles, e já cansei de anunciar aos quatro cantos que é minha banda (se é que podemos chamar de banda) predileta. Existe sempre aqueles inúmeros clichês quando alguém quer defender um estilo ou gosto musical do tipo "Pink não é pra qualquer um", "tem que ter muito bom gosto musical pra ouvir pink floyd", "você não gosta pq não entende" e assim vai. Sinceramente, tudo bobagem. Não vou ficar remoendo meus gostos com esses clichês, mas Pink é poesia cantada, é musica pesada, música suave, enfim, é música pra ser ouvida e apreciada. E como toda boa música, tem inúmeras versões. Coloco pra vcs uma versão maravilhosa da The Royal Philharmonic Orchestra.

Abraços


Thiago







O estatuto lógico do discurso ficcional

O estatuto lógico do discurso ficcional

John R. Searle
Universidade da Califórnia, Berkeley
Tradução de Vítor Guerreiro

Fonte: Crítica

Creio que falar ou escrever numa língua consiste em realizar actos de fala de um tipo muito específico chamado “actos ilocutórios.” Estes incluem o fazer afirmações, colocar perguntas, dar ordens, fazer promessas, pedir desculpa, agradecer, etc. Creio também que há um conjunto sistemático de relações entre o significado das palavras e frases que proferimos e os actos ilocutórios que realizamos ao proferir aquelas palavras e frases.1
Seja para quem for que sustente tal perspectiva, a existência de discurso ficcional coloca um problema difícil. Podemos dar ao problema a forma de um paradoxo: como podem as palavras e os outros elementos numa história ficcional ter os seus significados comuns ao mesmo tempo que, no entanto, as regras que estão ligadas a essas palavras e a outros elementos, e que determinam os seus significados, não são observadas: como pode no “Capuchinho Vermelho” a palavra “vermelho” significar vermelho e, no entanto, as regras que correlacionam “vermelho” com o vermelho não estarem activas? Esta é apenas uma formulação preliminar da nossa questão e teremos de a atacar mais vigorosamente antes de podermos chegar a uma formulação cuidadosa da mesma. Antes, contudo, é necessário fazer algumas distinções elementares.
A distinção entre ficção e literatura: Algumas obras de ficção são obras literárias, algumas não são. Hoje em dia, a maior parte das obras de literatura são ficcionais, mas as obras de literatura não são todas ficcionais. Maioritariamente, os livros de BD e as anedotas são exemplos de ficção mas não de literatura: A Sangue Frio e Exércitos da Noite são literatura mas não são ficcionais. Porque na sua maioria as obras literárias são ficcionais, é possível confundir uma definição de ficção com uma definição de literatura, mas a existência de exemplos de ficção que não são literatura e de exemplos de literatura que não são ficção é suficiente para demonstrar que isto é um erro. E mesmo que não houvesse tais exemplos, ainda assim seria um erro porque o conceito de literatura é diferente do de ficção. Assim, por exemplo, “A Bíblia como literatura” indica uma atitude teologicamente neutra, mas “A Bíblia como ficção” é tendenciosa.2
No que se segue procurarei analisar o conceito de ficção, mas não o conceito de literatura. Na verdade, não creio que seja possível dar uma análise da literatura, no mesmo sentido em que analisarei a ficção, por três razões interligadas.
Primeiro, não há característica ou conjunto de características que todas as obras de literatura tenham em comum e que possa constituir as condições necessárias e suficientes para algo ser uma obra de literatura. A literatura, para usar a terminologia de Wittgenstein, é uma noção de semelhanças de família.
Segundo, creio (embora não procure demonstrá-lo aqui) que “literatura” é o nome de um conjunto de atitudes que tomamos para com um segmento de discurso, não o nome de uma propriedade interna do segmento de discurso, embora a razão por que tomamos as atitudes que tomamos seja evidentemente, pelo menos em parte, uma função das propriedades do discurso e não inteiramente arbitrária. Grosso modo, cabe aos leitores decidir se uma obra é literatura ou não, cabe ao autor decidir se essa obra é ficção.
A distinção entre discurso ficcional e discurso figurado: É claro que tal como no discurso ficcional as regras semânticas se alteram ou suspendem de um modo que temos ainda de analisar, também no discurso figurado as regras semânticas se alteram ou suspendem de algum modo. Mas é igualmente claro que o que acontece no discurso ficcional é muito diferente, e independente de figuras de estilo. Uma metáfora pode ocorrer tanto numa obra de não ficção como numa obra de ficção. Só para ter algum vocabulário de trabalho, digamos que os usos metafóricos de expressões são “não literais” e que as locuções ficcionais são “não sérias.” Para evitar um género óbvio de mal-entendido, este jargão não pretende sugerir que escrever um romance ficcional ou um poema não são actividades sérias, mas antes que, por exemplo, se o autor de um romance nos diz que chove lá fora, ele não está seriamente comprometido com a perspectiva de que no momento da escrita está efectivamente a chover lá fora. É neste sentido que a ficção não é séria. Alguns exemplos: Se digo agora, “Estou a escrever um artigo sobre o conceito de ficção,” essa observação é ao mesmo tempo séria e literal. Se digo, “Hegel é um mono no mercado filosófico,” essa observação é séria mas não literal. Se digo, ao iniciar uma história, “Era uma vez, num reino longínquo, um rei sábio que tinha uma bela filha…,” essa observação é literal mas não séria.
O propósito deste artigo é explorar a diferença entre locuções ficcionais e sérias; e não explorar a diferença entre locuções figurativas e literais, que é outra distinção independente da primeira.
Uma última observação antes de iniciarmos a análise. Toda a área de estudo tem as suas expressões gastas que nos permitem parar de pensar antes de termos chegado a uma solução dos nossos problemas. Tal como os sociólogos e outros que reflectem sobre a mudança social descobrem que se podem libertar da necessidade de pensar recitando expressões como “a revolução das expectativas ascendentes,” também é fácil parar de pensar no estatuto lógico do discurso ficcional se repetirmosslogans como “a suspensão da descrença” ou expressões como “mimese.” Essas noções contêm o nosso problema mas não a sua solução. Num sentido, quero dizer precisamente que aquilo que não suspendo, quando leio um autor sério de ilocuções não sérias como Tolstoi ou Thomas Mann, é a descrença. As minhas antenas da descrença estão muito mais activas com Dostoievski do que com o San Francisco Chronicle. Noutro sentido, quero realmente dizer que “suspendo a descrença,” mas o nosso problema é dizer exactamente como e exactamente porquê. Platão, segundo uma má interpretação comum, pensava que a ficção consistia em mentiras. Por que estaria tal perspectiva errada?

II

Comecemos por comparar duas passagens escolhidas à sorte para ilustrar a distinção entre ficção e não ficção. A primeira, não ficção, é do New York Times (15 de Dezembro de 1972), escrita por Eileen Shanahan:
Washington, 14 de Dez. — Um grupo de representantes do governo federal, estatal e local rejeitou hoje a ideia do Presidente Nixon de o governo federal fornecer a ajuda financeira que permitira aos governos locais reduzir impostos sobre a propriedade.
A segunda é de um romance de Iris Murdoch intitulado O Vermelho e o Verde, que começa assim:
Mais dez gloriosos dias sem cavalos! Assim pensava o Segundo Tenente Andrew Chase-White, recentemente destacado para o distinto regimento de cavalaria King Edwards Horse, enquanto andava às voltas satisfeito num jardim, na periferia de Dublin, numa tarde de Domingo soalheira em Abril de 1916.3
A primeira coisa a reparar acerca de ambas as passagens é que, com a possível excepção de uma expressão, andar às voltas, no romance de Miss Murdoch, todas as ocorrências de palavras são bastante literais. Ambos os autores falam (escrevem) literalmente. Quais são então as diferenças? Comecemos por considerar a passagem do New York Times. Miss Shanahan faz uma asserção. Uma asserção é um tipo de acto ilocutório que obedece a determinadas regras semânticas e pragmáticas muito específicas. São estas:
  1. A regra essencial: o autor de uma asserção compromete-se com a verdade da proposição expressa.
  2. As regras preparatórias: quem fala tem de estar em condições de apresentar indícios ou razões a favor da verdade da proposição expressa.
  3. A proposição expressa não pode ser obviamente verdadeira tanto para quem fala como para o ouvinte no contexto da locução.
  4. A regra da sinceridade: quem fala compromete-se com a crença na verdade da proposição expressa. 4
Note-se que Miss Shanahan tem a responsabilidade de observar todas estas regras. Se não observar qualquer uma delas, diremos que a sua asserção não é bem-sucedida. Se não satisfaz as condições especificadas pelas regras, diremos que o que a sua asserção é falsa ou equivocada ou errada, ou que não tinha indícios suficientes do que afirmou, ou que foi em vão porque já todos sabíamos de qualquer modo, ou que mentiu porque não acreditava realmente nisso. Tais são os modos como as asserções podem caracteristicamente falhar, quando quem fala não satisfaz os padrões estabelecidos pelas regras. As regras estabelecem os cânones internos da crítica de uma locução.
Mas agora repare-se que nenhuma destas regras se aplica à passagem de Miss Murdoch. A sua locução não é um compromisso com a verdade da proposição de que numa tarde de Domingo soalheira em Abril de 1916, um tenente recentemente destacado de um regimento chamado King Edwards Horse, de nome Andrew Chase-White deambulava no seu jardim e pensava que teria mais dez dias gloriosos sem cavalos. Tal proposição pode ou não ser verdadeira, mas Miss Murdoch não tem qualquer compromisso no que diz respeito à sua verdade. Além disso, como não está comprometida com a verdade, não está comprometida com a apresentação de indícios desta verdade. Mais uma vez, pode haver ou não indícios a favor da verdade dessa proposição, e ela pode ter ou não indícios. Mas tudo isso é completamente irrelevante para o seu acto de fala, que não a compromete a estar na posse de indícios. Mais uma vez, como não há compromisso com a verdade da proposição não há a questão de estarmos ou não já cientes da sua verdade, e a autora não é considerada insincera se de facto não acredita, nem por um momento, que efectivamente houve semelhante personagem a pensar em cavalos naquele dia em Dublin.
Agora chegamos ao ponto decisivo do nosso problema: Miss Shanahan faz uma asserção, e as asserções são definidas pelas regras constitutivas da actividade de asserir; mas que tipo de acto ilocutório pode Miss Murdoch estar realizando? Em particular, como pode ser uma asserção, visto que não observa quaisquer regras peculiares das asserções? Se, como afirmei, o significado da frase proferida por Miss Murdoch é determinado pelas regras linguísticas ligadas aos elementos da frase, e se essas regras determinam que a locução literal da frase é uma asserção, e se, como tenho vindo a insistir, ela faz uma locução literal da frase, então seguramente tem de ser uma asserção; mas não pode ser uma asserção visto que não observa as regras que são específicas e constitutivas das asserções.
Comecemos por considerar uma resposta errada à nossa questão, uma resposta que alguns autores efectivamente propuseram. Segundo esta resposta, Miss Murdoch ou qualquer outro autor de romances não está a realizar o acto ilocutório de fazer uma asserção mas o acto ilocutório de contar uma história ou escrever um romance. De acordo com esta teoria, os relatos jornalísticos contêm uma classe de actos ilocutórios (afirmações, asserções, descrições, explicações) e a literatura ficcional contém outra classe de actos ilocutórios (escrever contos, romances, poemas, peças, etc.) O escritor ou orador de ficção tem o seu próprio repertório de actos ilocutórios que estão em paridade com, mas complementando, os actos ilocutórios normais de colocar perguntas, fazer pedidos, promessas, dar descrições, etc. Creio que esta análise está incorrecta; não vou dedicar muito espaço a demonstrar que está incorrecta porque prefiro gastá-lo a apresentar uma explicação alternativa, mas para ilustrar a sua incorrecção não deixo de mencionar uma dificuldade séria com que se confronta quem quer que deseje apresentar uma perspectiva semelhante. Em geral, o acto (ou actos) ilocutório realizado na locução da frase é uma função do significado da frase. Sabemos, por exemplo, que uma locução da frase “O João pode correr uma milha,” é uma realização de um tipo de acto ilocutório, e que uma locução da frase “Pode o João correr uma milha?” é uma realização de outro tipo de acto ilocutório, porque sabemos que a forma indicativa da frase significa algo diferente da forma interrogativa da frase. Mas se as frases numa obra de ficção fossem usadas para realizar actos de fala completamente diferentes dos que são determinados pelo seu significado literal, teriam de ter outro significado qualquer. Quem quer que portanto deseje sustentar que a ficção contém actos ilocutórios diferentes da não ficção está comprometido com a perspectiva de que nas obras de ficção as palavras não têm os seus significados normais. Essa perspectiva, pelo menos prima facie, é uma perspectiva impossível visto que se fosse verdadeira seria impossível alguém compreender uma obra de ficção sem aprender um conjunto novo de significados para todas as palavras e outros elementos contidos na obra de ficção, e visto que qualquer frase que seja pode ocorrer numa obra de ficção, de modo a ter a capacidade de ler qualquer obra de ficção, um falante da língua teria de aprender a língua novamente do princípio, uma vez que toda a frase na língua teria ao mesmo tempo um significado ficcional e um não ficcional. Consigo pensar em diversos modos como um defensor da perspectiva sob consideração podia responder a estas objecções, mas como são todas tão implausíveis como a tese original de que a ficção contém uma categoria inteiramente nova de actos ilocutórios, não as vou tratar aqui.
Regressando a Miss Murdoch. Se ela não realiza o acto ilocutório de escrever um romance porque não há tal acto ilocutório, o que faz, exactamente, na passagem citada? A resposta parece-me óbvia, embora não seja fácil de formular com exactidão. Ela finge, poderíamos dizer, fazer uma asserção, ou age como se estivesse a fazer uma asserção, ou faz os gestos de fazer uma asserção, ou imita o fazer uma asserção. Não dou grande importância a qualquer uma destas expressões verbais, mas trabalhemos com “fingir,” já que é tão boa como qualquer outra. Quando digo que Miss Murdoch finge fazer uma asserção, é crucial distinguir entre dois sentidos muito diferentes de “fingir.” Num sentido de “fingir,” fingir ser ou fazer algo que não se está a fazer é dedicar-se a uma forma de logro, mas no segundo sentido de “fingir,” fingir ser ou fazer algo é dedicar-se a uma actuação que é como se se estivesse a fazer ou a ser isso, e não tem qualquer intenção de logro. Se finjo ser Nixon de modo a enganar os serviços secretos para me deixarem entrar na Casa Branca, estou a fingir no primeiro sentido; se finjo ser Nixon como parte de um jogo de imitações, trata-se de fingir no segundo. Ora, no uso ficcional das palavras, é fingir no segundo sentido o que está em causa. Miss Murdoch dedica-se a uma pseudo-actuação não enganadora que consiste em fingir relatar-nos uma série de acontecimentos. Pelo que a minha primeira conclusão é a seguinte: o autor de uma obra de ficção finge realizar uma série de actos ilocutórios, normalmente do tipo representativo.5
Ora, fingir é um verbo intencional: ou seja, é um daqueles verbos que integram em si o conceito de intenção. Não se pode realmente dizer que se fingiu fazer algo a menos que houvesse a intenção de fingir fazê-lo. Portanto, a nossa primeira conclusão leva-nos imediatamente à segunda conclusão: o critério identificador a respeito de um texto ser ou não uma obra de ficção tem necessariamente de residir nas intenções ilocutórias do autor. Não há propriedade textual, sintáctica ou semântica, que identifique um texto como obra de ficção. O que o faz ser uma obra de ficção é, por assim dizer, a postura ilocutória que o autor assume relativamente ao texto, e essa postura depende das intenções ilocutórias complexas que o autor tem quando escreve ou de algum modo compõe o texto.
Houve em tempos uma escola de críticos literários que pensavam que não se devia considerar as intenções do autor ao examinar uma obra de ficção. Talvez haja algum nível de intenção em que esta extraordinária perspectiva seja plausível; talvez não se deva considerar as motivações ulteriores de um autor ao analisar a sua obra, mas no nível mais básico é absurdo supor que um crítico pode ignorar completamente as intenções do autor, uma vez que identificar um texto como romance, poema, ou até mesmo como texto é já fazer uma afirmação acerca das intenções do autor.
Até agora insisti que um autor de ficção finge realizar actos ilocutórios que na verdade não está a realizar. Mas agora impõe-se-nos a questão do que torna possível esta forma peculiar de fingimento. Trata-se afinal de um facto singular, peculiar e espantoso acerca da linguagem humana o permitir a possibilidade da ficção. Contudo, não temos dificuldade em reconhecer e compreender obras de ficção. Como é possível tal coisa?
Na nossa discussão da passagem de Miss Shanahan no New York Times, especificámos um conjunto de regras, cuja observância torna a sua locução numa asserção (sincera e não equivocada). Parece-me útil pensar que estas são regras que correlacionam palavras (ou frases) com o mundo. Pensemos nelas como regras verticais que estabelecem conexões entre a linguagem e a realidade. Ora, o que torna possível a ficção, segundo sugiro, é um conjunto de convenções extralinguísticas, não semânticas, que rompem a ligação entre as palavras e o mundo estabelecida pelas regras atrás mencionadas. Pensemos nas convenções do discurso ficcional como um conjunto de convenções horizontais que rompem as ligações estabelecidas pelas regras verticais. Suspendem as exigências normais estabelecidas por estas regras. Tais convenções horizontais não são regras de significado; não fazem parte da competência semântica do falante. Consequentemente, não alteram ou modificam os significados das palavras ou outros elementos da língua. O que fazem é antes permitir ao falante usar as palavras com os seus significados literais sem assumir os compromissos que esses significados normalmente exigem. A minha terceira conclusão é portanto a seguinte: as ilocuções fingidas que constituem uma obra de ficção tornam-se possíveis pela existência de um conjunto de convenções que suspendem a operação normal das regras que relacionam os actos ilocutórios e o mundo. Neste sentido, para usar o jargão wittgensteiniano, contar histórias é realmente um jogo linguístico distinto; para o jogar é preciso um conjunto distinto de convenções, embora estas convenções não sejam regras de significado; e o jogo linguístico não está em paridade com os jogos linguísticos ilocutórios, antes é parasitário destes.
Talvez este ponto se torne mais claro se contrastarmos a ficção com as mentiras. Penso que Wittgenstein estava errado ao afirmar que mentir é um jogo linguístico que se tem de aprender, como qualquer outro.6 Penso que isto é errado porque mentir consiste em violar uma das regras regulativas da realização de actos de fala, e qualquer regra regulativa contém em si a noção de uma violação. Uma vez que a regra define o que constitui uma violação, não é necessário primeiro aprender a seguir a regra e depois aprender uma prática distinta de quebrar a regra. Mas, por contraste, a ficção é muito mais sofisticada do que a mentira. A alguém que não compreendesse as convenções próprias da ficção, pareceria que a ficção é mera mentira. O que distingue a ficção das mentiras é a existência de um conjunto distinto de convenções que permite ao autor simular fazer afirmações que ele sabe não serem verdadeiras apesar de não ter qualquer intenção de enganar.
Discutimos a questão do que torna possível a um autor usar as palavras literalmente e no entanto não estar comprometido segundo as regras que se ligam ao significado literal dessas palavras. Qualquer resposta a essa questão força-nos a colocar a seguinte pergunta: quais são os mecanismos pelos quais o autor invoca as convenções horizontais — que procedimentos segue? Se, como afirmei, o autor na verdade não realiza actos ilocutórios mas apenas finge fazê-lo, como se realiza o fingimento? É uma característica geral do conceito de fingir que se pode fingir realizar uma acção de ordem superior ou complexa efectivamenterealizando acções de ordem inferior ou menos complexas que são partes constitutivas da acção de ordem superior ou complexa. Assim, por exemplo, pode-se fingir bater em alguém realizando efectivamente os movimentos do braço e punho característicos de bater em alguém. O bater é fingido, mas o movimento do braço e punho é real. De igual modo, as crianças fingem conduzir um carro parado sentando-se efectivamente no lugar do condutor, movendo o volante e empurrando a alavanca das mudanças, etc. O mesmo princípio aplica-se à escrita de ficção. O autor finge realizar actos ilocutórios proferindo efectivamente frases (ou escrevendo). Na terminologia de Speech Acts, o acto ilocutório é fingido, mas o acto locutório é real. Na terminologia de Austin, o autor finge realizar actos ilocutórios realizando efectivamente actos fonéticos fáticos. Os actos locutórios na ficção são indistinguíveis dos actos locutórios no discurso sério, e é por essa razão que não há propriedade textual que identifique um segmento de discurso como obra de ficção. É a realização do acto locutório com a intenção de invocar as convenções horizontais que constitui a realização fingida do acto ilocutório.
A quarta conclusão desta secção, portanto, é um desenvolvimento da terceira: as realizações fingidas de actos ilocutórios que constituem a escrita de uma obra de ficção consistem em realizar efectivamente actos locutórios com a intenção de invocar as convenções horizontais que suspendem os compromissos ilocutórios normais das locuções.
Estes pontos tornar-se-ão mais claros se considerarmos dois casos especiais de ficção: as narrativas na primeira pessoa e as peças teatrais. Afirmei que na narrativa normal na terceira pessoa do tipo exemplificado pelo romance de Miss Murdoch, a autora finge realizar actos ilocutórios. Mas agora considere-se a seguinte passagem de Sherlock Holmes:
Foi no ano de 95 que uma combinação de acontecimentos, na qual não preciso de entrar, nos fez ao Sr. Sherlock Holmes e a mim próprio passar algumas semanas numa das nossas grandes cidades universitárias, e foi durante este tempo que a pequena mas instrutiva aventura que estou prestes a relatar nos sucedeu.7
Nesta passagem, Sir Arthur não se limita a fingir fazer asserções, mas finge ser John Watson, Doutor em Medicina, oficial reformado da campanha afegã, a fazer asserções sobre o seu amigo Sherlock Holmes. Ou seja, nas narrativas em primeira pessoa, o autor frequentemente finge ser outra pessoa a fazer as asserções.
Os textos dramáticos proporcionam-nos um interessante caso especial da tese que tenho vindo a defender neste artigo. Aqui não é tanto o autor quem finge mas as personagens na actuação efectiva. Isto é, o texto da peça consistirá em algumas pseudo-asserções, mas na sua maior parte consistirá numa sequência de instruções sérias aos actores quanto ao modo como hão-de fingir fazer asserções e realizar outras acções. O actor finge ser alguém que não ele próprio, e finge realizar os actos de fala e outros actos daquela personagem. O autor da peça representa as acções efectivas e fingidas e os discursos dos actores, mas a realização do autor ao escrever o texto da peça é mais como escrever uma receita para o fingimento do que dedicar-se a uma forma de fingimento em si. Uma história ficcional é uma representação fingida de um estado de coisas; mas uma peça, isto é, uma peça enquanto encenada, não é uma representação fingida de um estado de coisas mas o próprio estado de coisas fingido, os actores fingem ser as personagens. Nesse sentido o autor da peça não está em geral a fingir fazer asserções; dá instruções sobre como levar a acto um fingimento, que os actores depois seguem. Considere-se a seguinte passagem de The Silver Box, de Galsworthy:
Acto I, Cena I. O pano sobe sobre a sala de jantar dos Barthwick, ampla, moderna, e bem mobilada; as cortinas das janelas puxadas. A luz eléctrica está acesa. Na grande mesa de jantar redonda está disposto um tabuleiro com uísque, um sifão, e uma caixa de cigarros prateada. Passa da meia-noite. Ouve-se um remexer do outro lado da porta. Esta abre-se subitamente; Jack Barthwick parece cair para o interior da sala...

Jack: Olá! Cheguei a casa be… (desafiadoramente).8
É instrutivo comparar esta passagem com a de Miss Murdoch. Murdoch, segundo afirmei, conta-nos uma história; para o fazer, finge fazer uma série de asserções acerca de pessoas em Dublin, em 1916. O que visualizamos ao ler a passagem é um homem a deambular no seu jardim pensando em cavalos. Mas quando Galsworthy escreve a sua peça, não nos dá uma série de instruções sobre como as coisas devem efectivamente decorrer em palco quando a peça é executada. Ao ler a passagem de Galsworthy visualizamos um palco, o pano sobe, o palco está mobilado como uma sala de jantar, e por aí em diante. Ou seja, parece-me que a força ilocutória do texto de uma peça é como a força ilocutória de uma receita para fazer um bolo. É um conjunto de instruções sobre como fazer algo, nomeadamente, como executar a peça. O elemento de fingimento entra ao nível da execução: os actores fingem ser os membros da família Barthwick, fazendo tais e tais coisas e tendo tais e tais sentimentos.

III

A análise da secção precedente, se está correcta, deve ajudar-nos a resolver alguns dos quebra-cabeças tradicionais acerca da ontologia de uma obra de ficção. Suponhamos que digo: “Nunca existiu uma Sr.ª Sherlock Holmes porque Holmes nunca se casou, mas existiu uma Sr.ª Watson porque Watson casou-se, embora a Sr.ª Watson tenha morrido não muito depois do casamento.” Será que o que afirmei é verdadeiro ou falso, carece de valor de verdade, ou quê? Para responder, precisamos de distinguir não só entre o discurso sério e o discurso ficcional, como tenho feito, mas também distinguir ambos do discurso sério acerca da ficção. Tomada como um exemplo de discurso sério, a passagem anterior seguramente não é verdadeira porque nenhuma destas pessoas (Watson, Holmes, a Sr.ª Watson) alguma vez existiu. Mas tomada como um exemplo de discurso acerca da ficção, a afirmação anterior é verdadeira porque representa com exactidão o estado civil, ao longo do tempo, das duas personagens ficcionais, Holmes e Watson. Não é, ela própria, um exemplo de ficção, porque não sou o autor das obras de ficção em causa. Holmes e Watson nunca existiram, o que não equivale evidentemente a negar que existem na ficção e que deles se pode falar como tal.
Tomada como uma afirmação acerca de ficção, a locução anterior conforma-se às regras constitutivas para fazer afirmações. Repare-se, por exemplo, que posso verificar a afirmação anterior por referência às obras de Conan Doyle. Mas não se coloca a questão de Conan Doyle ser capaz de verificar o que diz acerca de Sherlock Holmes e Watson quando escreve as histórias, porque não faz quaisquer afirmações sobre eles, apenas finge fazê-las. Porque o autor criou estas personagens ficcionais, nós, por outro lado, podemos fazer afirmações verdadeiras acerca delas como personagens ficcionais.
Mas como é possível a um autor “criar” personagens ficcionais a partir do nada, por assim dizer? Para responder a isto regressemos à passagem de Iris Murdoch. A segunda frase começa, “Assim pensou o Segundo Tenente Andrew Chase-White.” Ora, nesta passagem, Murdoch usa um nome próprio, um paradigma de expressão que refere. Tal como na frase completa ela finge fazer uma asserção, nesta passagem finge referir (outro acto de fala). Uma das condições da realização bem-sucedida do acto de fala da referência é que tem de existir um objecto a que quem fala se refere. Assim, ao fingir referir, ela finge que há um objecto para ser referido. Na medida em que participamos no fingimento, fingiremos também que há um tenente chamado Andrew Chase-White a viver em Dublin em 1916. É a referência fingida que cria a personagem ficcional, e é ela que nos permite falar acerca da personagem de um modo semelhante ao que é feito na passagem citada atrás, sobre Sherlock Holmes. A estrutura lógica de tudo isto é complicada, mas não é opaca. Ao fingir referir-se a (e relatar as aventuras de) uma pessoa, Miss Murdoch cria uma personagem ficcional. Note-se que ela não se refere realmente a uma personagem ficcional porque não havia tal personagem anteriormente existente; ao invés, ao fingir referir-se a uma pessoa ela cria uma pessoa ficcional. Ora, uma vez criada essa personagem ficcional, nós, que estamos de fora da história ficcional, podemos realmente referir-nos a uma pessoa ficcional. Repare-se que, na passagem anterior acerca de Sherlock Holmes, me referi realmente a uma personagem ficcional (e.g., a minha locução satisfaz as regras da referência). Não fingi referir-me a um Sherlock Holmes real; referi-me realmente ao Sherlock Holmes ficcional.
Outra característica interessante da referência ficcional é que normalmente nem todas as referências numa obra de ficção serão actos de referência fingidos; algumas serão referências reais, como na passagem de Miss Murdoch onde ela se refere a Dublin, ou em Sherlock Holmes quando Conan Doyle se refere a Londres, ou na passagem citada em que ele faz uma referência velada ou a Oxford ou a Cambridge mas não nos diz qual (“uma das nossas grandes cidades universitárias”). Maioritariamente, as histórias ficcionais contêm elementos não ficcionais: juntamente com as referências fingidas a Sherlock Holmes e a Watson, há em Sherlock Holmes referências reais a Londres e a Baker Street e a Paddington Station; mais uma vez, em Guerra e Paz, a história de Pierre e Natacha é uma história ficcional acerca de personagens ficcionais, mas a Rússia de Guerra e Paz é a Rússia real, e a guerra contra Napoleão é a guerra real contra o Napoleão real. Qual o teste para o que é ficcional e o que não é? A resposta é dada pela nossa discussão sobre as diferenças entre o romance de Miss Murdoch e o artigo de Miss Shanahan no New York Times. O teste quanto ao que o autor se compromete é o que conta como erro. Se nunca existiu um Nixon, Miss Shanahan (e nós) está enganada. Mas se nunca existiu um Andrew Chase-White, Miss Murdoch não está enganada. Mais uma vez, se Sherlock Holmes e Watson vão de Baker Street a Paddington Station por um caminho geograficamente impossível, sabemos que Conan Doyle meteu o pé na argola ainda que não tenha metido o pé na argola se nunca houve um veterano da campanha afegã que satisfizesse a descrição de John Watson, Doutor em Medicina. Em parte, determinados géneros ficcionais são definidos pelos compromissos não ficcionais envolvidos na obra de ficção. A diferença, digamos, entre os romances naturalistas, os contos de fadas, as obras de ficção científica, e as histórias surrealistas é em parte definida pela extensão do compromisso do autor em representar factos efectivos, sejam factos específicos acerca de Londres e Dublin e da Rússia, ou factos gerais acerca do que é possível as pessoas fazerem e o modo como o mundo é. Por exemplo, se Billy Pilgrim faz uma viagem ao planeta invisível Tralfamadore num microssegundo, podemos aceitar isso porque é consistente com o elemento de ficção científica de Matadouro Cinco, mas se encontramos um texto em que Sherlock Holmes faz o mesmo, sabemos no mínimo que esse texto é inconsistente com o corpus dos nove volumes originais das histórias de Sherlock Holmes.
Os teorizadores da literatura são propensos a fazer observações vagas sobre como o autor cria um mundo ficcional, um mundo do romance, ou algo assim. Penso que estamos agora em condições de dar sentido a essas observações. Ao fingir que se refere a pessoas e relatar acontecimentos acerca delas, o autor cria personagens e acontecimentos ficcionais. No caso da ficção realista ou naturalista, o autor referir-se-á a lugares e acontecimentos reais misturando estas referências com as referências ficcionais, tornando assim possível tratar a história ficcional como uma extensão do nosso conhecimento existente. O autor estabelecerá com o leitor um conjunto de entendimentos sobre até que ponto as convenções horizontais da ficção rompem as conexões verticais do discurso sério. Na medida em que o autor for consistente com as convenções que invocou ou (no caso de formas revolucionárias de literatura) as convenções que estabeleceu, permanecerá dentro das convenções. No que respeita àpossibilidade da ontologia, tudo vale: o autor pode criar qualquer personagem ou acontecimento que queira. No que respeita àaceitabilidade da ontologia, a coerência é uma consideração crucial. Contudo, não há critério universal da coerência: o que conta como coerência numa obra de ficção científica não contará como coerência numa obra naturalista. O que conta como coerência será em parte uma função do contrato entre o autor e o leitor acerca das convenções horizontais.
Por vezes, o autor de uma história ficcional inserirá na história locuções que não são ficcionais e não fazem parte da história. Para tomar um exemplo célebre, Tolstoi começa Anna Karenina com a frase “As famílias felizes são todas felizes do mesmo modo, as famílias infelizes são infelizes de diferentes modos.” Essa, em meu entender, não é uma frase ficcional, é séria. É uma asserção genuína. Faz parte do romance mas não parte da história ficcional. Quando Nabokov, no início de Ada, cita Tolstoi deliberadamente mal, dizendo, “Todas as famílias felizes são mais ou menos dissemelhantes; todas as infelizes são mais ou menos semelhantes,” está indirectamente a contradizer (e a gozar com) Tolstoi. Ambas são asserções genuínas, embora a de Nabokov seja feita por uma citação errada irónica de Tolstoi. Tais exemplos compelem-nos a fazer uma última distinção, entre uma obra de ficção e discurso ficcional. Uma obra de ficção não tem de consistir inteiramente, e em geral não consistirá inteiramente, em discurso ficcional.

IV

A análise precedente deixa sem resposta uma questão crucial: por que nos importarmos com isso? Ou seja, por que damos tamanha importância e esforço a textos que contêm em grande medida actos de fala fingidos? O leitor que seguiu o meu argumento até aqui não ficará surpreendido por saber que não penso haver uma resposta simples ou única para essa pergunta. Parte da resposta teria a ver com o papel crucial, normalmente subestimado, que a imaginação desempenha na vida humana, e o papel igualmente crucial que os produtos partilhados da imaginação desempenham na vida social humana. E um aspecto do papel que tais produtos desempenham deriva do facto de que actos de fala sérios (isto é, não ficcionais) podem ser comunicados por textos ficcionais, ainda que o acto de fala comunicado não seja representado no texto. Praticamente todas as obras de ficção importantes transmite uma “mensagem” ou “mensagens” que são comunicadas pelo texto mas não estão no texto. Só nas histórias infantis que contêm a conclusão “e a moral da história é…” ou em autores cansativamente didácticos como Tolstoi encontramos uma representação explícita dos actos de fala sérios que o texto ficcional visa comunicar (ou visa principalmente). Os críticos literários explicaram numa base ad hoc e particularista como o autor comunica um acto de fala sério através da realização dos actos de fala fingidos que constituem a obra de ficção, mas não há ainda uma teoria geral dos mecanismos pelos quais essas intenções ilocutórias sérias são comunicadas por ilocuções fingidas.
John R. Searle
Publicado originalmente em New Literary History, Vol. 6, No. 2, 1975, pp. 319-332.

Notas

  1. Para uma tentativa de elaborar uma teoria destas relações, ver J. R. Searle, Speech Acts (Cambridge, 1969), esp. Caps. 3-5.
  2. Há outros sentidos de “ficção” e “literatura” que não irei discutir. Num sentido, “ficção” significa falsidade, como em “O testemunho do réu era um amontoado de ficções,” e num sentido “literatura” significa apenas material impresso, como em “A literatura sobre a opacidade referencial é imensa.”
  3. Iris Murdoch, The Red and the Green (Nova Iorque, 1965), p. 3. Este e outros exemplos de ficção usados neste artigo foram deliberadamente escolhidos ao acaso, na crença de que as teorias da linguagem devem ser capazes de lidar com qualquer texto, e não apenas com exemplos especialmente seleccionados.
  4. Para uma exposição mais destas regras e semelhantes, ver Searle, ibid. Cap. 3.
  5. A classe representativa de ilocuções inclui afirmações, asserções, descrições, caracterizações, identificações, explicações, e muitas outras. Para uma explicação disto e de noções relacionadas ver Searle, “A Classification of Illocutionary Acts,” Minnesota Studies in the Philosophy of Language, org. K. Gunderson, no prelo.
  6. Wittgenstein, Philosophical Investigations (Oxford, 1953), par. 249.
  7. A. Conan Doyle, The Complete Sherlock Holmes (Garden City, N.I, 1932), II, 596.
  8. John Galsworthy, Representative Plays (Nova Iorque, 1924), p. 3.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Onde foram parar as aulas de História?



Olha, mal entrei no Facebook, pra tentar promover um pouco mais o blog e me tornar menos misantropo, e me deparo com uma página absurda, que literalmente defende uma (confiram no link ai) intervenção militar. Nessa eu me pergunto, onde foram parar as aulas de história desses retardados mentais que acreditam em uma intervenção militar em favor de um povo oprimido? Que tipo de democracia essas pessoas acreditam fazer parte? Pior, que tipo de governo essas pessoas acham que seria o ideal?
Não faço ideia (e tenho medo, aliás) de quantas páginas como esta devem ter surgido esses últimos dias. O que me assusta não é o velho e antigo discurso, já fadado ao fracasso e carcomido pelos referenciais de revolução popular, de uma suposta defesa da dignidade da nação, de forças patrióticas, e etc. Esse discurso velho, ultrapassado, ditatorial, fascista, não me assusta tanto, pois a história se encarregou de mostrar que ele existe, mas pode ser superado. O que me assusta é a quantidade de jovens que, pelo visto, não tiveram aula de história do Brasil, não tiveram a mínima noção do que é intervenção militar, e pior, com um discurso hipócrita e oportunista, falam de uma intervenção militar acreditando que esta seria a solução para a NOSSA DEMOCRACIA. Vão me desculpar, mas nunca soltei um belo de um palavrão nesse blog, mas ultimamente, ando com tantos problemas, com tanta coisa na cabeça, que só um VAI TOMAR NO CU pra me aliviar a tensão agora.

EIIII PSEUDOS PATRIOTAS, VÃO PRA CASA DO CARALHO
e enfia o general no cu.

Thiago



Segue o manifesto deles logo abaixo, pasmem...


QUEREMOS QUE AS FORÇAS ARMADAS DEFENDAM A PÁTRIA BRASILEIRA.
Missão
MANIFESTO NACIONAL - INTERVENÇÃO MILITAR JÁ!

Quando a corrupção e a desnacionalização a serviço de interesses escusos e de doutrinas enfraquecedoras da vitalidade nacional atingem os índices atuais é hora das Pessoas de Bem e das Forças Patrióticas tomarem atitudes firmes. Por isso pedimos intervenção militar já!


Declaro que é de minha vontade a intervenção das forças armadas na atual crise nacional com os fins de restaurar a ordem e resgatar a dignidade nacional.
Reconheço e denuncio os partidos políticos e demais organizações apoiadoras do governo atual como uma conspiração contra o Brasil, sendo estas forças destrutivas da nação brasileira e traidoras do povo brasileiro.
Para tal, autorizo às forças armadas a executarem as seguintes missões:
1 - destituir a presidente Dilma Rousseff do cargo de presidente da republica, e o vice-presidente Michel Temer por estarem inaptos a ocuparem seus cargos por não mais contarem com a confiança e legitimidade emanadas pelo povo brasileiro.
2 - dissolver o congresso nacional seguindo-se de eleições gerais com plebiscito prévio sobre regime de governo com escolha entre: república presidencialista, república parlamentarista, ou restauração da monarquia constitucional parlamentarista.
3 - prisão de todos os conspiradores por corrupção e alta traição, ao servirem voluntariamente a interesses estrangeiros contra o Brasil através do foro de São Paulo, que é uma invasão sigilosa do território nacional executada por países estrangeiros liderados pelo regime de Cuba através de agentes infiltrados, também por associação aos narcotraficantes das FARC e pelo desvio das riquezas nacionais para beneficiar outros países.
4 - dissolução de todos os partidos e organizações integrantes ou apoiadores do Foro de São Paulo.
5 - Intervenção em todos os governos estaduais e municipais e seus respectivos legislativos sob a mesma forma dos itens 1 e 2.
6 - combate sistemático à corrupção e subversão.
7 - intervenção no supremo tribunal federal, cuja presença de ministros simpáticos aos conspiradores é clara e evidente.

Ficam: O Exército Brasileiro, a Força Aérea Brasileira, a Marinha do Brasil e as Polícias Militares, autorizados por mim a executar todos os itens aqui descritos através de seus comandantes.


terça-feira, 2 de julho de 2013

Mais uma pra refletir

Concordo com 90% do texto, retirando a proposta do "meio" kaká, e a ausência de uma defesa mais clara da autenticidade das manifestações. Um texto pra ler, e ver que confusões não são feitas somente por uma massa burra, mas tb por uma massa supostamente engajada e consciente.

Abraços

Thiago

P.s: também amo futebol, amo meu mengão, não sou cego a ponto de confundir uma paixão alimentada desde a infância com um patriotismo momentâneo.


Ópio do povo: use sem culpa

Assim como as máfias do esporte, o mimimi-anti-paraíso-da-alienação não vai me fazer gostar menos de futebol. Nem da seleção. Por Matheus Pichonelli
por Matheus Pichonelli — publicado 01/07/2013 16:43, última modificação 02/07/2013 07:40

Nationaal Archief / Flickr
Assim como as máfias do esporte, o mimimi-anti-futebol-paraíso-da-alienação não vai me fazer gostar menos do esporte. Nem da seleção
Que eu saiba, não sou nacionalista. Diferentemente de Policarpo Quaresma, o personagem de ufanismo exacerbado de Lima Barreto, jamais moveria uma guerra para dizer que o rio Amazonas é maior que o rio Nilo. Tenho urticária quando alguém, mesmo bem intencionado, começa a cantar do meu lado que é brasileiro com muito orgulho e com muito amor. Nada contra orgulhos ou amores, mas toda vez que escuto o refrão, que vale tanto para brasileiros orgulhosos como para brasileiros indignados, penso que o Caetano Veloso tinha razão quando interrompeu o seu “Proibido Proibir” aos berros e vaticinou: “Se vocês em política forem como são em estética, estamos fritos”.
Não sou sommelier de política nem de estética, mas gosto de futebol. Torcer por uma equipe é, talvez, o único hábito de infância que ainda carrego no bolso. Deixei de gostar de muita coisa com a idade. A preferência musical mudou. Os motivos para viajar mudaram. Os planos para o futuro também. As influências, idem. Mas quando ligo o rádio, a tevê ou me sento em uma arquibancada para acompanhar uma partida de futebol, volto a ter 12 anos. Era a idade que eu tinha quando vi o Brasil ganhar a Copa de 1994. Foi a minha primeira Copa (tenho lembranças vagas das anteriores) e meu primeiro título. Por essa Copa eu moveria uma guerra: diga perto de mim que ganhamos a taça e assassinamos o futebol-arte (clichê dos clichês) e ganhará um inimigo por três gerações. Guardo num baú de prata (digo num baú de prata porque, como diz a música, prata é a luz do luar) as defesas do Taffarel, os cruzamentos do Jorginho, os desarmes do Aldair, os petardos do Branco, os lançamentos do Bebeto, os biquinhos de chuteira do Romário e, sim senhor, as enceradas do Zinho.
Naquela Copa, provei do ópio e peguei gosto. O azar é todo meu.
Hoje gosto de futebol pelos mesmos motivos que levam alguém a desdenhá-lo: sem saber o porquê. Poderia dizer que o esporte explica a existência, que os posicionamentos e conquistas de espaço em campo são os mesmos da rotina jogada, que a coletividade do esporte é uma patada na individualidade, que me encanta saber que nada na vida se ganha sozinho sem uma pequena ajuda dos amigos ou parceiros de zaga e ataque e que, não importa o quanto isso soe irracional, nada será tão vibrante como uma torcida uníssona (à exceção, é claro, da supracitada “sou brasileiro com muito orgulho com muito amor”). Ainda assim, prefiro deixar a resposta ao inconsciente: gosto de futebol pela mesma (não) razão de quem desgosta. E gosto de gostar: isso me quebrou o gelo em conversas no elevador, no corredor da firma, na fila no banco e até mesmo na sala de espera de um hospital por ter, simplesmente, um assunto em comum com alguém que gosta tanto ou mais do esporte do que eu. Mais: não tenho repertório suficiente para convencer meus amigos a me visitar num domingo sem sol e botar os assuntos em dia. Mas o jogo da tarde tem – e é o que me faz reunir amigos que, em dias normais, estariam dispersos.
Digo tudo isso porque gostar de futebol me leva a gostar da seleção brasileira. Não porque Neymar (em outros tempos, Ronaldo ou Romário) me represente (termo da moda) ou carregue nas chuteiras os anseios de um país possível. Mas sim porque gosto de torcer, gosto do futebol jogado e, principalmente, gosto de voltar aos 12 anos toda vez que me sento num sofá ou numa arquibancada de estádio.
Não deixo de ter outras preocupações nem antes nem durante nem depois de um apito. A maioria delas está dissociada do futebol em si; outras estão conectadas a ele: lamento, todos os dias, o fato de o futebol brasileiro ser comandado por José Maria Marin (como lamentei quando era comandado por Ricardo Teixeira); lamento o mandado para mandar prender e mandar soltar concedido à Fifa para montar a Copa no Brasil; lamento os dispêndios em concreto e metal que levantaram estádios sem erguer uma única via, uma única linha de trem, uma única nova rede de esgoto; lamento os elefantes brancos natimortos em cidades sem equipes ou torcida; e lamento as desapropriações autoritárias para limpar o entorno desses elefantes.
Sou contra tudo isso como sou contra a gripe, a arrogância, os desperdícios. Enquanto puder, vou continuar dizendo o quanto tudo isso me incomoda, seja na vida privada, seja na vida profissional, que me permite expor este texto para além do meu círculo de relacionamento. Por isso não tenho o menor receio em dizer que comemorei, e comemorei muito, a vitória da seleção brasileira por 3 a 0 sobre a Espanha. Não porque tenha problemas com meus complexos de vira-lata, mas porque gosto da seleção – e não deixei de gostar porque discordei (e ainda discordo) de parte da lista de convocados (11 Hulks não valem meio Kaká), da teimosia manifestada por Luiz Felipe Scolari ou porque a vitória deu sobrevida a uma CBF corroída por quem jamais deveria ter chegado ao posto.
Mas uma coisa é ser crítico  em relação aos gastos excessivos para as obras da Copa. Outra, bem diferente, é acreditar que a seleção é um exército a serviço da alienação, da ditadura, do papa, da Telexfree e tudo mais.
As máfias do esporte, como as máfias do transporte público e outras máfias, não me representam. Nem por isso vão conseguir me fazer desistir de gostar de futebol ou de torcer pelo futebol – da mesma maneira que defender a dignidade dos transportes públicos não me leva a pedir a eliminação dos transportes públicos das nossas vidas.
Se os charlatões do esporte não me fizeram gostar menos de futebol, a patrulha que nas últimas 24 horas vociferou contra quem traiu uma nação em crise – e caiu, sem culpa, nos braços do povo e do ópio – não deve provocar o menor arranhão. Ainda que tentem me convencer, por correntes de e-mail ou manifestos pelo Facebook, que tudo o que vimos em campo estava armado para distrair uma população em fúria – tudo, claro, combinado com os russos e os espanhóis, que provavelmente não sabem o que é uma crise nem o que é uma população em fúria e à roda do desemprego.
Se torcer pelas equipes que aprendi a gostar me fará um traidor da causa, assino aqui meu atestado de infidelidade: vou traí-la muitas e muitas vezes. Futebol e culpa são palavras dissociadas para quem, a essa altura do campeonato, está contaminado pelo esporte. Eu, pelo menos, não tenho a menor vontade de procurar a cura. Seria como me desfazer, em um exercício forçoso de civismo ingênuo, de algumas das minhas melhores lembranças – as passadas, as futuras e as que ainda absorvo depois da sova aplicada no domingo por Fred, Neymar e companhia.

Novidade

Olha que modernidade, hahah, essa porcaria de blog agora tá na porcaria do Facebook tb. Ainda to apanhando igual cachorro no mato com essa rede social aí, mas aos poucos vou dando um jeito de me enturmar, lembrando que o face é só para o blog, para os leitores, pra interagir mais com os alunos, enfim, não é PESSOAL...(embora eu ache que acabei criando uma conta pessoal pra fazer isso). Assim, vou poder divulgar ainda mais minhas insanidades, e oferecer mais uma ferramenta de comunicação com meus alunos, que adoram reclamar da minha misantropia aguda. Enfim, divulguem quem puder, e não me atormentem no Facebook...


Abraços







Algumas fotos da manifestação (com um grande atraso...)

Seguem algumas das fotos tiradas na manifestação do dia 20. Foi bom ver alunos e colegas professores participando. A despeito do que que dizem, o movimento é uma manifestação que ganhou força graças à vontade do povo, e ao desespero desse. Em tempo, escreverei algo, agora não dá..., ainda estou tentando descobrir se existe vida após o doutorado.

Abraços

Thiago