domingo, 29 de setembro de 2013

Mais Pitágoras, menos Prozac

Eu estava para escrever esse texto há um bom tempo, e depois de alguns colegas professores (no Direito), me enquadrarem sob a mesma classe "profissional" de outros formados em Filosofia, e alguns alunos repetirem a pergunta insistentemente devido uma situação específica, resolvi escrever.





Sim, o título é praticamente um plágio, mas no mundo da propaganda, a ideia de causar um certo impacto pra chamar atenção praticamente eliminou a noção de plágio quando se trata de convencer o leitor a ler algo, não que o título aqui em questão tenha convencido, mas se está lendo até aqui, acredito que ficou curioso. No mais, não pretendo reinventar o livro cujo título faz menção indireta, até mesmo porque detesto livro de auto ajuda (não é estranho a frase autoajuda veicular em livros escritos por terceiros para me ajudar?). Enfim, o título é uma chamada um tanto quanto retórica para discutir algo que muitos alunos vivem me perguntando, e algo que tive a oportunidade de discutir com dois colegas de graduação cujas posições não destoam em muito daquilo que aqui se dirá.
Em um semestre que venho trabalhando incessantemente Kant (Manual dos Cursos de Lógica Geral, CRP e FMC), veio a calhar a resposta para a pergunta que alguns sempre exigiam de mim e eu nunca a dava de maneira satisfatória, a saber, porque não me considero Filósofo? Antes de dar a resposta de Kant, que tomo como minha criminosamente (hehe), vamos "começar do começo".
Há muito que é sabido o quanto o ser humano adora ser reconhecido. Aliás, essa é uma característica pertinente a inúmeros animais, e dentre os primatas (mais especificamente os hominoidea), os humanos são os que mais manifestam essa necessidade (pra não dizer carência). O mito de Narciso demonstra bem isso: o auto admirador que se apaixonou pelo próprio reflexo e foi condenado a definhar na ilusão de estar admirando a mais bela das criaturas. Esse mito, quando não representa um estado perpétuo para determinados indivíduos, descreve metaforicamente e muito bem uma constante com a qual nos vemos volta e meia, qual seja, a necessidade e olhar para nós mesmos e reconhecer em nós uma grandeza louvável. 
E isso faz mal, seu idiota escritor?! Depende! E aí entra o título do texto e minha proposta de resposta. Quando Pitágoras (segundo a tradição), recusou o título de detentor de um saber perfeito, atribuído apenas aos deuses, e se intitulou APENAS filósofo, ele estava a ressaltar o caráter nascente da Filosofia, um apreço constante pelo conhecimento, pelo saber, não a assunção de um conhecimento acabado, fechado, ou o a arrogância de um um saber último. Filósofo, seguindo ainda outro grande pensador grego, dizia respeito à capacidade de admitir a própria ignorância na esperança de alcançar ainda mais conhecimento. A atividade socrática prezava, constantemente, pela ausência dessa pujança característica de muitos sofistas, que se afirmavam (e se afirmam) detentores de um saber cuja defesa não se sustentava (e não se sustenta) à primeira investida de um pensamento mais coerente e bem fundamentado. Enfim, esse título se perdeu, e Pitágoras ficou nos manuais de Filosofia, enquanto o título de Filósofo serve hoje à academia, e aos acadêmicos mais afoitos, como um prozac, cuja função é manter os níveis de serotonina do cérebro em picos altíssimos, pois "felicidade" é coisa séria. E em um mundo onde todos carecem de atenção, onde todos são um pouquinho (ou um "muitinho") de Narciso, nada melhor que o reconhecimento de seus pares. Mas ai entra o queridíssimo (e chatíssimo) Kant. Na L, em AK 23ss, Kant nos fornece dois tipos de definições possíveis para a Filosofia, elas são: Filosofia na Escola e Filosofia no Mundo. A primeira, trata somente da habilidade em se tratar certo arcabouço histórico de conceitos, nesse sentido, é meramente uma doutrina da habilidade. E convenhamos, o que tem de habilidoso por aí, remoendo conceitos consagrados e ganhando apreço midiático graças ao trabalho que a própria História da Filosofia se encarregou de consagrar, não é pouco. Esse técnico da razão (ou filodoxo, como chamaria Sócrates), não faz uso livre da razão se restringir sua produção a apenas reproduzir o acervo já disposto pela Filosofia. 
Já a Filosofia no Mundo implica em não meramente fazer uso mimético da razão, mas produzir o fim último desta, a saber, sua autonomia e liberdade. Se esse fim último não for produzido, o que pode ser feito em acordo com a noção de Filosofia na Escola, o suposto pensador não passará de um filodoxo (meu caso na maior parte do tempo). 
E eis minha resposta roubada do Kant (e que justifica meu medo da pecha de filósofo): "Ninguém que não seja capaz de filosofar pode intitular-se filósofo, mas só se aprende a filosofar pelo exercício e pelo uso que fazemos por NÓS mesmos da razão" (Kant, AK 25). O que Kanta está dizendo, entre outras coisas, é que não se ensina a filosofar. O que se ensina nas academias é o arcabouço conceitual histórico. O máximo que se faa pe oferecer os meios para o indivíduo, em posse de sua razão autônoma, pense por si só. Por isso não sou filósofo, somente por ter aprendido uns "dois trocados" de argumentos de alguns autores, e por isso não é filósofo quem cursa filosofia, mas isso NÃO quer dizer que não o POSSA ser, e isso não quer dizer que, às vezes, eu mesmo não filosofe. Ainda mais, isso não quer dizer que só é filósofo quem "está" na academia. Se resgatarmos o seu sentido originário, apresentado por Pitágoras, defendido por Sócrates contra os sofistas, então sou Filósofo, admito minha ignorância em inúmeras questões, e admito minha vontade de conhecer muito mais do que a miséria que hoje assumo como conhecimento. Se ser Filósofo é admitir um título encarcerado pelas carências do mundo acadêmico e a necessidade de reconhecimento de seus pares, então não sou Filósofo, detentor de certo arcabouço conceitual que em nada contribuí (e continuo sem contribuir) para ser construído. Se for para receber o título como se toma um prozac, e aumentar meus níveis de serotonina, enfim, nesse sentido, prefiro rejeitar a pecha, continuar com meu pessimismo chato, que está muito mais para um respeito histórico aos que tanto fizeram intelectualmente para receber o título. O título descrito por Pitágoras se perdeu dentro da academia, foi consumido pela necessidade de afirmação dos inúmeros profissionais da área, mas ainda está aí fora, pelas "ruas" do pensamento, através do indivíduo que se põe a indagar o mundo sem se fechar no curral dos "letrados", e o título ao estilo prozac ganhou espaço (e ganha cada vez mais, pois está na moda ser filósofo). 
Em que esse texto poderia ajudar o leitor deste blog? Em nada! Mas a mim, ajuda em muito, a responder os que por acidente me chamam de Filósofo, ou por conveniência (segundo minha reduzida opinião) se intitulam Filósofos. E se Kant estava certo, são raros os momentos em que me vejo fazendo uso autônomo da razão, na maior parte do tempo me pego tentando interpretar este ou aquele conceito já consagrado. Repito, isso não quer dizer que não tenha meus lampejos, mas daí já assumir que esses lampejos me permitem receber o mesmo título que grandes pensadores receberam, acho no mínimo inconveniente (no caso de persistirem os sintomas de raiva ao ler esse texto, consulte o filósofo mais perto de sua casa). No resumo da obra, mais do que dois, temos três modos de se intitular Filósofo: 1) no sentido pitagórico, de uma constante busca e apreço pela sabedoria e conhecimento; 2) no sentido prozac (acadêmico reprodutivo), que pretende inflar os egos e tornar iguais aos grandes da História aqueles que meramente cursaram uma graduação e apenas reproduzem o pensamento (à maneira parasitária); 3) no sentido Histórico, no qual podemos incluir os grandes pensadores da História da Filosofia e suas respectivas contribuições, inclusive para a construção do mundo acadêmico. Para ser nesse último, do qual estou longe milhas de distância, é preciso ser no primeiro. Ser filósofo no primeiro sentido, não implica em ser no último. Mas para ser no segundo sentido, basta um lápis, um papel, e um bando de "bobos" para acenar a cabeça. Enfim, resta-me confiar no Kant, evitar o sentido prozac, manter minha "fé" no sentido pitagórico, e esperar, por graça da história e de uma razão iluminada (se um dia a tiver), que o terceiro sentido um dia bata à minha porta. Se não, só de ter evitado os tamborileiros da segunda turma (pra citar o Hume), já estarei satisfeito.

P.s: gostei dessa frase "se persistirem os sintomas de raiva ao ler esse texto, consulte o filósofo mais perto de sua casa".






2 comentários:

  1. Às vezes penso que a questão é supervalorizada, afinal, apenas em épocas em que (como você bem notou) o título de filósofo cabia apenas para uma distinção social que aqueles que, digamos, a praticava acabavam por assumir a denominação, logo, nao cabia nem para se afirmar como egolatria, tampouco para cura de baixa auto-estima. Se pegarmos esses filósofos que você separou como "históricos", eu diria que nenhum se intitula filósofo no intuito de que isso lhe dê uma melhor sustentação às suas ideias, de modo que se alguém se diz assim seria preciso dizer "mostre-me sua obra". Fica óbvio que quem se forma numa graduação em filosofia nao possui "uma obra" (a não ser que seja um Hume - mas ai é a exceção confirmando a regra) e até mesmo renomados professores pesquisadores de nivel A1 tambem nao possuem... O critério pode ser difícil de definir, mas tal definição se dará num nível muito mais alto do que se costuma discutir essa questão do título de filósofo. Enfim, concordo com seu texto, mas convenhamos que a questão é supervalorizada...

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  2. Não sei se o comentário tá confuso ou se sou eu mesmo, mas acho que entendi seu ponto. Sim, a discussão é supervalorizada, como inúmeras utras o são em tempos de violência midiática. A ideia, ultimamente, é tornar discussão inócua em questão de suma importância, e aí concordo, ficar remoendo essa questio é algo de uma supervalorização desnecessária. Talvez aquela velha música pudesse ser tocada em situações como essa e outras, o velho ritmo do "foda-se". hehehe

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