segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Crônica


Os dois lados de uma mesma moeda
Thiago Oliveira

O que me atestam os olhos?!
Não era uma altercação de espanto, mas opróbrio. Gratuito como um sopapo, assim
granjeei o infortúnio.
Não o meu, que de mim nada se queixa além das rixas cotidianas, mas o alheio.
E será que era alheio? Se era, porque tamanho achaque? Não era meu pra reclamá-lo.
Ou de algum modo o era?
Mas da mesma janela, que dizem ser da alma, não há como expulsar tal demônio
assimilado.
Talvez com uma máquina, um retrato e um prêmio, exorcizasse mea culpa. E em uma
daquelas prateleiras ensaboadas dependurasse a memória de um resgate imaginário,
contando aos pares uma suposta alteridade.
Enfim, não se deu assim o caso, e a sombra do passado insistiu na companhia.
Quem sabe era o medo de me encontrar eu presente na próxima imagem.
Quem sabe era o embaraço da inépcia perante o absurdo.
Quem sabe...?
Assim, registrou-se mais um passo no caminhar de uma memória encharcada de
omissões.
Mas curiosos, seus pares se perguntam, o que haveria de causar tanta vexa?
Que representação carregaria consigo tamanha ignomínia?
E eis que pinto novamente o quadro, ainda com os traços vívidos da mórbida sensação
de esterilidade.
De um lado o branco, em sua majestade histórica e representação feminina, trajando o
mais belo poder de dominação ideológica e econômica, esbanjando sua rica felicidade
abrolhada da genuflexão de “raças” assumidas mais abjetas, burlando qualquer
desconforto distante, e estadeando o produto de seu ventre delicado sobre rodas cujo
ruído esganiça o ouro de um passado que jamais fará sombra em uma varanda burilada
aleivosamente. Fitando sempre adiante, não há olhar periférico que a desnorteie, a não
ser que o assombro lhe atravesse os olhos, e a um só brado todo o orbe se ajunta em
resgate. Não. Ela jamais olharia para o lado.
Entre os dois mundos era preciso um ignaro, um transeunte anômalo e de consciência
pérfida, cuja visão guardava um resto de dignidade.
E foi assim que no mesmo quadro ele mirou o outro lado da ironia. O negro, em sua
obsolescência histórica e representação feminina, trajando o consagrado descaso social
de outrora, reprimindo sua abissal consternação parida a contragosto pelos obstetras da
mais alva epopéia cotidiana, avocando enganadoramente como sua a ledice alheia,
deitando sobre o asfalto candente um olhar de uma vexa que lhe foi imposta, e com o
restante de dignidade em seus braços impelia o resultado agonizante de seu bandulho
pecaminoso sobre um amontoado de metal frio conectado a anéis emperrados cujo
esganiço ressaltava a alvura de uma consciência solidária a seu infortúnio. Ela olhou
para o lado, há de se notar que ela olhou. Antes mantivesse o caminho e a ignorância do
momento, que certamente lhe montava em escárnio. Mas ela olhou. E sem resposta,
sabe-se lá de onde, ela retornou a seu germino como quem retorna ao medo após o
assombro.
E quanto àquele transeunte que agora vos fala, estatelou a planta dos pés como quem
assenta a viga fundamental, e insistiu em fitar a contradição por mais tempo do que sua
sanidade permitira. Enfim, a memória não perdoa, embora o omisso se mantenha reto
em sua carreira de ignorar. Seu único lamento? Não ter aquela velha máquina, para
limpar a consciência numa prateleira ensaboada.

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