quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Aulas Filosofia Geral (Direito)

Para os alunos de direito, seguem o slides de Descartes, Hume e Kant, para as próximas aulas.

Abraços

Thiago















DESCARTES

HUME

KANT

Aparência e realidade.

Nas últimas aulas de Moderna, tenho tratado de algumas questões epistemológicas, como o acesso às coisas em si mesmas, a possibilidade de um conhecimento certo acerca da realidade natural, distinção entre aparência e essência. Enfim, algumas das questões históricas da Filosofia se concentram nessa área. Repasso uma tradução do Desidério Murcho do texto de Russell retirado de "Os problemas da Filosofia".

Texto curto, e vale a pena, Aliás (com perdão do trocadilho), Russell sempre vale a pena...



Aparência e realidade

Bertrand Russell
Tradução de Desidério Murcho
Haverá algum conhecimento no mundo que seja tão certo que nenhum homem razoável possa dele duvidar? Esta pergunta, que à primeira vista pode não parecer difícil, é na realidade uma das mais difíceis que se pode fazer. Quando nos dermos conta dos obstáculos que se levantam a uma resposta fácil e confiante, estaremos já bem lançados no estudo da filosofia — pois a filosofia é apenas a tentativa de responder a questões últimas deste género, não de modo descuidado e dogmático, como fazemos na vida comum e até nas ciências, mas criticamente, depois de explorar tudo o que gera perplexidade nessas perguntas, e depois de tomar consciência de toda a vagueza e confusão que subjaz às nossas ideias comuns.
Na vida quotidiana pressupomos como certas muitas coisas que, num escrutínio mais atento, se revelam tão cheias de aparentes contradições que só uma grande quantidade de pensamento nos permite saber em que podemos realmente acreditar. Na procura da certeza, é natural começar pelas nossas experiências presentes e, num certo sentido, sem dúvida que delas será derivado conhecimento. Mas qualquer afirmação sobre o que as nossas experiências imediatas nos fazem saber está muito provavelmente errada. Parece-me que estou agora sentado numa cadeira, a uma secretária de uma certa forma, na qual vejo folhas de papel escritas ou impressas. Mas ao virar a cabeça vejo para lá da janela edifícios e nuvens e o Sol. Acredito que o Sol está a cerca de cento e cinquenta milhões de quilómetros de distância da Terra; que é um globo quente muito maior que a Terra; que, devido à rotação da Terra, nasce todas as manhãs e continuará no futuro a fazê-lo por um período indeterminado de tempo. Acredito que se qualquer outra pessoa normal entrar na minha sala, verá as mesmas cadeiras e secretárias e livros e papéis que eu vejo, e que a secretária que vejo é a mesma que a secretária cuja pressão sinto contra o meu braço. Tudo isto parece tão evidente que nem parece valer a pena afirmá-lo, excepto para responder a um homem que duvide que eu saiba alguma coisa. Contudo, de tudo isto se pode razoavelmente duvidar e tudo exige muita discussão cuidadosa antes de podermos ter a certeza de que o afirmámos de uma forma que seja inteiramente verdadeira.
Para tornar evidentes as nossas dificuldades, concentremos a atenção na mesa. Para a visão, é oblonga, castanha e brilhante, para o tacto, é lisa e fria e dura; quando lhe bato, emite um som de madeira. Qualquer outra pessoa que veja e sinta e oiça a mesa concordará com esta descrição, de modo que poderá parecer que nenhuma dificuldade se irá levantar; mas assim que tentamos ser mais precisos começam os problemas. Apesar de eu acreditar que a mesa é "realmente" toda da mesma cor, as partes que reflectem a luz parecem muito mais brilhantes que as outras, e algumas partes parecem brancas por causa da luz reflectida. Sei que, se me deslocar, as partes que reflectem a luz serão diferentes, de modo que a distribuição manifesta de cores na mesa irá mudar. Segue-se que se várias pessoas estão a olhar para a mesa no mesmo momento, nenhuma vê exactamente a mesma distribuição de cores, pois nenhuma pode vê-la exactamente do mesmo ponto de vista, e qualquer mudança de ponto de vista provoca alguma mudança no modo como a luz é reflectida.
Para a maior parte dos efeitos práticos, estas diferenças não são importantes, mas para o pintor são de máxima importância: o pintor tem de desaprender o hábito de pensar que as coisas parecem ter a cor que o senso comum diz que "realmente" têm, e tem de adquirir o hábito de ver as coisas como parecem. Temos já aqui o princípio de uma das distinções que provocam mais problemas em filosofia — a distinção entre "aparência" e "realidade", entre o que parece que as coisas são e o que são. O pintor quer saber o que as coisas parecem, o homem prático e o filósofo querem saber o que são; mas o desejo do filósofo de saber isto é mais forte que o do homem prático, e é mais importunado pelo conhecimento das dificuldades em responder à questão.
Regressemos à mesa. É evidente pelo que descobrimos que não há qualquer cor que pareça proeminentemente a cor da mesa, ou mesmo de uma qualquer parte particular da mesa — parece ter cores diferentes de diferentes pontos de vista, e não há qualquer razão para considerar que algumas são mais realmente a sua cor do que outras. E sabemos que mesmo de um dado ponto de vista a cor parecerá diferente à luz artificial, ou a um daltónico, ou a um homem com óculos azuis, sendo que às escuras não haverá qualquer cor, apesar de ao tacto e ao ouvido a mesa se manter inalterada. Esta cor não é algo que seja inerente à mesa, sendo antes algo que depende da mesa e do espectador e do modo como a luz incide sobre a mesa. Quando, na vida comum, falamos de a cor da mesa, queremos apenas falar do género de cor que parecerá ter a um espectador normal de um ponto de vista comum sob condições de luz habituais. Mas as outras cores que a mesa parece ter noutras condições têm igual direito de serem consideradas reais; e portanto, para evitar favoritismo, somos obrigados a negar que, em si, a mesa tenha uma cor particular qualquer.
O mesmo se aplica à textura. A olho nu consegue-se ver a textura mas, à parte isso, a mesa parece lisa e uniforme. Se víssemos a mesa por um microscópio, veríamos rugosidade e montes e vales, e todo o tipo de diferenças, imperceptíveis a olho nu. Qual destas é a mesa "real"? Temos a tentação natural de dizer que o que vemos pelo microscópio é mais real, mas isso por sua vez mudaria com um microscópio ainda mais poderoso. Mas se não podemos confiar no que vemos a olho nu, por que razão devemos confiar no que vemos pelo microscópio? Uma vez mais, pois, nos abandona a confiança que tínhamos nos nossos sentidos.
forma da mesa não é melhor. Todos temos o hábito de fazer juízos sobre a forma "real" das coisas, e fazemos isto tão irreflectidamente que acabamos por pensar que vemos efectivamente as formas reais. Mas, de facto, como temos de aprender se tentarmos desenhar, uma dada coisa parece ter uma forma diferente de diferentes pontos de vista. Se a nossa mesa é "realmente" rectangular, parecerá, de quase todos os pontos de vista, como se tivesse dois ângulos agudos e dois ângulos obtusos. Se os lados opostos forem paralelos, parecerá que convergem num ponto afastado do espectador; se forem de comprimento igual, o lado mais próximo parecerá mais comprido. Não se repara normalmente em todas estas coisas ao olhar para uma mesa, pois a experiência ensinou-nos a construir a forma "real" a partir da forma aparente, e a forma "real" é o que nos interessa como homens práticos. Mas a forma "real" não é o que vemos; é algo que se infere do que vemos. E o que vemos muda constantemente de forma à medida que nos deslocamos na sala; de modo que também neste caso os sentidos não parecem dar-nos a verdade sobre a mesa em si, mas apenas sobre a aparência da mesa.
Levantam-se dificuldades análogas quando consideramos o sentido do tacto. É verdade que a mesa nos dá sempre uma sensação de dureza, e sentimos que resiste à pressão. Mas a sensação que obtemos depende da força com que pressionamos a mesa e também da parte do corpo com que a pressionamos; assim, não se pode supor que as várias sensações que resultam de diferentes pressões ou de diferentes partes do corpo revelam directamente qualquer propriedade definida da mesa, sendo no máximo sinais de uma propriedade que talvez cause todas as sensações, mas que não é efectivamente manifesta em qualquer delas. E o mesmo acontece ainda mais obviamente aos sons que se podem extrair batendo na mesa.
Assim, torna-se evidente que a mesa real, se existe, não é o mesmo de que temos experiência imediata pela visão ou pelo tacto ou pela audição. A mesa real, se existe, não é de modo algum imediatamente conhecida por nós, tendo antes de ser uma inferência do que é imediatamente conhecido. Assim, levantam-se desde já duas questões muito difíceis; nomeadamente:
  1. Haverá de todo em todo uma mesa real?
  2. Se sim, que tipo de objecto poderá ser?
Ao considerar estas questões será vantajoso ter alguns termos simples cujo significado é definido e claro. Seja dado o nome "dados dos sentidos" às coisas que são imediatamente conhecidas pela sensação: coisas como cores, sons, cheiros, dureza, rugosidade, e assim por diante. Daremos o nome "sensação" à experiência de estar imediatamente ciente destas coisas. Assim, sempre que vemos uma cor, temos uma sensação da cor, mas a cor em si é um dado dos sentidos e não uma sensação. A cor é aquilo do qual estamos imediatamente cientes, e o próprio estar ciente é a sensação. É claro que para sabermos seja o que for sobre a mesa tem de ser por meio dos dados dos sentidos — cor castanha, forma oblonga, lisura, etc. — que associamos à mesa; mas, pelas razões dadas, não podemos dizer que a mesa é os dados dos sentidos, nem mesmo que os dados dos sentidos são directamente propriedades da mesa. Assim, levanta-se um problema quanto à relação entre os dados dos sentidos e a mesa real, supondo que há tal coisa.
À mesa real, se existe, chamaremos "objecto físico". Assim, temos de considerar a relação entre os dados dos sentidos e os objectos. À colecção de todos os objectos físicos chama-se "matéria". Assim, as duas questões anteriores podem ser reformuladas do seguinte modo:
  1. Será que há matéria?
  2. Se há, qual é a sua natureza?
O filósofo que primeiro deu destaque marcado às razões para considerar que os objectos imediatos dos nossos sentidos não existem independentemente de nós foi o bispo Berkeley (1685-1753). O seu Três Diálogos entre Hylas e Philonous, em Oposição aos Cépticos e Ateus, dedica-se a provar que a matéria é coisa que não existe de modo algum, e que o mundo não é mais do que mentes e as suas ideias. Hylas acreditou até essa altura na matéria, mas não está à altura de Philonous, que o conduz implacavelmente a contradições e paradoxos, tornando a sua própria negação da matéria, no final, como se fosse quase senso comum. Os argumentos usados são muito desiguais em valor: alguns são importantes e sólidos, outros são confusos ou dúbios. Mas Berkeley tem o mérito de ter mostrado que a existência da matéria pode ser negada sem absurdo e que se há algumas coisas que existem independentemente de nós, não podem ser os objectos imediatos das nossas sensações.
Há duas questões diferentes envolvidas quando perguntamos se a matéria existe, e é importante que permaneçam claras. Por "matéria" queremos habitualmente dizer algo que se opõe a "mente", algo que pensamos que ocupa espaço e que é radicalmente incapaz de qualquer tipo de pensamento ou consciência. É principalmente neste sentido que Berkeley nega a matéria; ou seja, não nega que os dados dos sentidos que comummente tomamos como sinais da existência da mesa são realmente sinais da existência de algo independente de nós, mas nega que este algo seja não mental, nega que não seja mente nem ideias concebidas numa mente. Admite que tem de haver algo que continua a existir quando saímos da sala ou fechamos os olhos, e que o que chamamos "ver a mesa" nos dá realmente razão para acreditar em algo que persiste mesmo quando não a estamos a ver. Mas pensa que este algo não pode ter uma natureza radicalmente diferente do que vemos, e não pode ser completamente independente do ver, apesar de ter de ser independente do nosso ver. Berkeley é assim levado a considerar que a mesa "real" é uma ideia na mente de Deus. Tal ideia tem a permanência e independência de nós que se exige, sem ser — como a matéria seria — algo relativamente incognoscível, no sentido de poder apenas ser inferida, não podendo nós estar cientes dela directa e imediatamente.
Depois de Berkeley, outros filósofos sustentaram também que, apesar de a existência da mesa não depender de ser vista por mim, depende de ser vista (ou apreendida de outro modo na sensação) por alguma mente — não necessariamente a mente de Deus, mas mais frequentemente a totalidade da mente colectiva do universo. Sustentam isto principalmente porque, como Berkeley, pensam que nada de real pode existir — ou em qualquer caso nada que se saiba ser real — excepto mentes e os seus pensamentos e sentires. Podemos formular o argumento com que sustentam a sua perspectiva de certo modo como se segue: "Seja o que for que pode ser pensado é uma ideia na mente da pessoa que a pensa; logo, nada pode ser pensado excepto ideias em mentes; logo, qualquer outra coisa é inconcebível, e o que é inconcebível não pode existir".
Tal argumento, na minha opinião, é falacioso; e claro que quem o avança não o apresenta tão concisamente nem tão grosseiramente. Mas, seja ou não válido, o argumento tem sido muitíssimo avançado numa ou noutra forma; e muitíssimos filósofos, talvez a maioria, têm sustentado que nada de real existe excepto mentes e as suas ideias. Chama-se "idealistas" a tais filósofos. Quando se trata de explicar a matéria ou dizem, como Berkeley, que a matéria nada é senão uma colecção de ideias, ou dizem, como Leibniz (1646-1716), que o que parece matéria é na realidade uma colecção de mentes mais ou menos rudimentares.
Mas estes filósofos, apesar de negarem a matéria como algo que se opõe à mente, admitem contudo a matéria. Recorde-se que fizemos duas perguntas; nomeadamente, 1) Haverá de todo em todo uma mesa real? 2) Se sim, que tipo de objecto poderá ser? Ora, tanto Berkeley como Leibniz admitem que existe uma mesa real, mas Berkeley afirma que é certas ideias na mente de Deus, e Leibniz diz que é uma colónia de almas. Assim, ambos respondem afirmativamente à nossa primeira pergunta, divergindo apenas das perspectivas dos mortais comuns na sua resposta à nossa segunda pergunta. De facto, quase todos os filósofos parecem concordar que há uma mesa real: quase todos concordam que, por mais que os nossos dados dos sentidos — cor, forma, lisura, etc. — possam depender de nós, a sua ocorrência é contudo um sinal de algo que existe independentemente de nós, algo que difere, talvez, completamente dos nossos dados dos sentidos, e que contudo se deve considerar que causa tais dados dos sentidos sempre que estamos numa relação adequada com a mesa real.
Ora, este aspecto sobre o qual os filósofos concordam — a perspectiva de que  uma mesa real, seja qual for a sua natureza — é de importância vital, e valerá a pena considerar que razões há para aceitar esta perspectiva antes de avançarmos para a questão seguinte quanto à natureza da mesa real. O nosso próximo capítulo, consequentemente, ocupar-se-á das razões para supor que há de todo em todo uma mesa real.
Antes de avançarmos será bom considerar por momentos o que descobrimos até agora. Tornou-se manifesto que, se tomamos qualquer objecto comum do tipo que é supostamente conhecido pelos sentidos, o que os sentidos nos dizemimediatamente não é a verdade sobre o objecto tal como este é além de nós, mas apenas a verdade sobre certos dados dos sentidos que, tanto quanto podemos ver, dependem das relações entre nós e o objecto. Assim, o que vemos e sentimos directamente é apenas "aparência", que acreditamos ser um sinal de uma "realidade" que está por detrás. Mas se a realidade não é o que aparece, teremos algum meio de saber se há alguma realidade de todo em todo? E em caso afirmativo, teremos algum meio de descobrir como é ela?
Estas perguntas são desconcertantes, e é difícil saber se mesmo as hipóteses mais estranhas não poderão ser verdadeiras. Assim, a nossa mesa familiar, que até agora não deu origem senão aos mais insignificantes pensamentos em nós, tornou-se um problema cheio de possibilidades surpreendentes. O que sabemos dela é que não é o que parece. Além deste resultado modesto, até agora, temos a mais completa liberdade de conjectura. Leibniz diz-nos que é uma comunidade de almas; Berkeley diz-nos que é uma ideia na mente de Deus; a ciência sóbria, dificilmente menos maravilhosa, diz-nos que é uma vasta colecção de cargas eléctricas em movimento violento.
Entre estas possibilidades surpreendentes, a dúvida sugere que talvez não haja qualquer mesa. A filosofia, se não poderesponder a tantas perguntas como gostaríamos, tem pelo menos o poder de fazer perguntas que aumentam o interesse do mundo, e mostram a estranheza e a maravilha repousando imediatamente sob a superfície mesmo nas coisas mais comuns da vida quotidiana.
Bertrand Russell

Texto retirado de Os Problemas da Filosofia (Edições 70, 2008).

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Recomendação de leitura

Tenho em PDF, já era pra ter disponibilizado pra todos aqui, mas esqueci. Graças a um amigo, lembrei. Segue o link para acessar o conteúdo via site da Crítica. 
Em tempos de banalização, a correta construção de um argumento não pode ser banalizada.

Abraços
Thiago

O objectivo de um argumento é expor as razões (premissas) que sustentam uma conclusão. Um argumento é falacioso quando parece que as razões apresentadas sustentam a conclusão, mas na realidade não sustentam. Da mesma maneira que há padrões típicos, largamente usados, de argumentação correta, também há padrões típicos de argumentos falaciosos. A tradição lógica e filosófica procurou fazer um inventário e dar nomes a essas falácias típicas e este guia faz a sua listagem.


Link

sábado, 19 de outubro de 2013

A "cultura" da banalização. Parte I

Prometo ser breve nesse post, sério! ou pelo menos vou tentar, vai que me empolgo nessas "mal traçadas linhas", com o perdão do trocadilho. De qualquer modo, esse será um primeiro post de uma série, pois o problema não cabe somente aqui. Enfim, não é por um, nem por dois, nem por três motivos específicos que escrevo, mas por inúmeros motivos, inúmeras situações que ou me envolveram ou tive conhecimento sobre. Do que estou falando? Estou falando daquilo que aqui vou chamar de fato social da banalização exacerbada. O que seria esse conceito?

Bom, banalização é o ato de tornar vulgar ou banal. Tá certo! Essa definição é praticamente circular e nada mais informa sobre a palavra. Vamos lá. Banalização é fazer com que algo que ou tenha certa importância ou possua certo grau de valor se torne banal, corriqueiro, e tenha sua imagem desgastada devido à repetição da ação, da discussão, ou da relativização da análise sobre o assunto. O que é banalizado tem uma consequência não necessária, porém grave: o assunto em questão, ou a a própria ação, se torna facilmente aceitável. Não é preciso muita justificativa, não é preciso defesa lógica ou racional, se algo foi banalizado, será aceitável. E aí é que entra o meu ponto. Vivemos em uma cultura onde a própria banalização foi banalizada e tudo pode se tornar banal, qualquer assunto, qualquer tema, desde problemas cotidianos à teses sobre ciência.
Vivemos em uma cultura da banalização. Banalização da violência, que é explorada em programas sensacionalistas, através de imagens, vídeos, etc., todos tornando o próprio fato social da violência em uma coisa corriqueira e facilmente aceitável em sociedade. Todos se acostumam com a ideia. A banalização da nudez, essa nem precisa de muito comentário (e aqui não venham me chamar de reacionário, visualmente me agrada bastante, mas ao analisar o fato, não dá pra negar que ocorreu uma banalização da nudez). 

Com a internet, houve a banalização da informação. Todos são ao mesmo tempo receptores e transmissores de informação. Qualquer um pode montar um blog (não, "perae"...), usar o Facebook  e transmitir informação do modo que bem entender. Todos são fiscais das ideias de todos, todos são parceiros das ideias de todos (e aqui me permitam usar o quantificador "todo" em um sentindo mais poético do que lógico). Tudo é motivo para comoção na internet. A própria noção de estar comovido com algo se tornou banal. O Facebook talvez seja a expressão máxima dessa banalização das relações entre os homens e da banalização dos valores. Lutar por uma causa se tornou tão efetivo quanto curtir uma página de piadas ou de frases prontas. A própria noção de engajamento político se tornou banal. Eis aí a inserção do conceito que lancei mão mais acima, a saber, a banalização exacerbada como fato social. Banalização já foi explicada, e exacerbada justamente porque há um exagero dessa prática. E por que especificamente estou escrevendo esse post? O último incidente sobre o resgate dos filhotes de beagles me mostrou o quanto algumas coisas antes não banais estão se tornando banais. A noção de ativismo está sendo banalizada, a noção de direitos dos animais está sendo discutida em um viés de banalidade nas redes sociais, e quando a comoção toma conta das discussões, o que já é banal acontecer, nada de bom ou frutífero acaba saindo daí. Não tenho posição BEM formada sobre o assunto, mas entre as inúmeras discussões e posições, algumas mais sóbrias surgem em meio a esse alvoroço todo, como é o caso deste texto do Sakamoto. Vejam, não estou a defender nada em específico, mas me recuso a aceitar que o debate seja pautado pela ignomínia de alguns que mais se movem pela comoção gerada por imagens e vídeos do que por uma explicação do evento a partir de suas causas.
Para a Filosofia, temos um problema sério aqui, a banalização de conceitos como o da "verdade", o próprio sentido de "filosofia" e "filosofar", tornam o seu uso relativo, e a aceitação das proposições que veiculam nas explicações desses conceitos não recebe a devida análise crítica. Sou eu quem possui os critérios para tal intento? Claro que não (até queria...), mas a própria história do pensamento humano se encarregou de estabelecer esses critérios ao longo dos anos, e eis aí um ponto interessante, a História pode até ser negada por alguns, ocultada por outros, mas ela não pode ser banalizada, porque ela mesma é o lugar comum onde essa banalização ocorre em oposição ao valor não desgastado. Nesse sentido, somos sujeitos da história, e ao mesmo tempo objetos da história, nos lançamos sobre ela ao mesmo tempo que nela somos lançados, e o ato de banalizar valores, ações, conceitos, informações, a arte tudo isso faz parte de um momento histórico que chamaria de uma cultura da banalização exacerbada. 

continua nos próximos capítulos...

Abraços

Thiago

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Teoria do Conhecimento

Para uma aproximação acerca do velho problema do conhecimento.
A teoria do conhecimento parte, fundamentalmente, de algumas perguntas bem simples e específicas, mas de respostas densas e complexas:
1) O que é conhecimento?
2) É possível conhecer?
3) Quais as fontes de conhecimento?
4) Qual a melhor maneira (método) para se apropriar dessas fontes?
5) O que se conhece?

As perguntas podem não ser exaustivas, mas são fundamentais para o entendimento do processo cognitivo, se é que é possível entendê-lo.

Para uma introdução, segue a indicação de texto abaixo.

Abraços
Thiago

Afinal, sabemos ou não?

Introdução à Teoria do Conhecimento, de Dan O'Brien
Lisboa: Gradiva, Junho de 2013, 379 pp.
Tradução de Pedro Serras Pereira
Revisão científica de Aires Almeida
Em breve à venda

Apresentação

A teoria do conhecimento, ou epistemologia, é, juntamente com a metafísica, uma das disciplinas centrais da filosofia, a ela se dedicando muitos dos mais importantes filósofos de todos os tempos, como Platão, Descartes, Locke, Hume, Kant, Russell e outros. Nesta introdução à teoria do conhecimento, o autor faz muito mais do que simplesmente apresentar as ideias desses filósofos sobre problemas tão debatidos como a própria definição de conhecimento, as suas fontes e possibilidade, além da justificação das nossas crenças. Numa linguagem simultaneamente simples e rigorosa, o autor mostra-nos como tais ideias foram, e continuam a ser, intensamente discutidas, envolvendo-nos na sua discussão.
As primeiras secções de cada capítulo apresentam de forma muito acessível, mesmo ao leitor sem grande formação filosófica, temas como a percepção, a memória, o testemunho, o conhecimento a priori, bem como as teorias cépticas, inatistas, empiristas, racionalistas, fundacionalistas, coerentistas, realistas e idealistas, entre outras.
As secções seguintes não deixam insatisfeito o leitor interessado em aprofundar um pouco mais as discussões, familiarizando-o com os seus desenvolvimentos mais recentes, em que se destacam filósofos como Gettier, Quine, Nozick, Rorty, Plantinga, Nagel, Goldman e Bonjour. Um dos aspectos que torna a discussão mais viva e interessante é o frequente recurso a esclarecedores e oportunos exemplos do cinema.
Trata-se de um livro imprescindível não só́ para estudantes e professores de filosofia dos vários níveis como a qualquer pessoa interessada em compreender as ideias dos grandes filósofos do passado e do presente. Alguns capítulos são especialmente úteis para quem, como os estudantes de psicologia, procura compreender os diversos aspectos da actividade cognitiva. Outros são particularmente reveladores para aqueles, como os juristas e estudantes de direito e sociologia, que procuram compreender melhor os vários aspectos envolvidos na formação de crenças e sua justificação.
Eis algumas das questões centrais da teoria do conhecimento tratadas neste livro:
  • O que é o conhecimento?
  • Que tipos de conhecimento há́?
  • Como justificar adequadamente as nossas crenças?
  • Qual o papel da percepção e dos sentidos na justificação das nossas crenças?
  • Qual o papel da memoria na justificação das nossas crenças?
  • O testemunho será́ uma fonte fiável de conhecimento?
  • Podemos saber algo sobre o mundo raciocinando apenas?
  • Como justificar o raciocínio indutivo?
  • Sabemos mesmo que o mundo exterior existe?
  • Sabemos que não podemos estar sempre enganados?
  • Haverá́ realmente conhecimento sobre questões morais?
  • É possível justificar a crença na existência (ou na inexistência) de Deus?
  • Será́ que podemos saber se há́ outras mentes além da nossa?
São discutidas perspectivas de autores do passado e actuais: Platão, Descartes, Locke, Berkeley, Leibniz, Hume, Kant, Reid, Russell, Wittgenstein, Sellars, Quine, Rorty, Nozick e Dretske, entre outros.
Ao longo do livro o autor recorre a exemplos ilustrativos de filmes de Ridley Scott, Christopher Nolan, Clint Eastwood, Sergio Leone, Alan Parker, François Truffaut, David Cronenberg, J.-P. Jeunet, Bob Fosse e Woody Allen, entre outros.

Aclamação

«Claro, com grande vivacidade, e assente num completo conhecimento do ramo, o livro de O’Brien constitui um excelente texto introdutório à epistemologia». (Christopher Hookway, Universidade de Sheffield)

Sobre o autor

Dan O’Brien é professor de teoria do conhecimento, filosofia da mente, filosofia da religião, filosofia da ciência e filosofia moderna na Oxford Brookes University. Lecciona também a estudantes de mestrado na Open University. Antes disso, ensinou nas universidades de Birmingham e de Warwick. Tem vários artigos publicados em revistas filosóficas internacionais e é autor de quatro livros: o mais recente é sobre filosofia da jardinagem, que é simultaneamente uma introdução à filosofia; outro é sobre Hume; outro ainda sobre filosofia da mente; e este Introdução à Teoria do Conhecimento, que foi o seu primeiro livro.

Índice

Prefácio
PARTE I INTRODUÇÃO AO CONHECIMENTO
1. A teoria do conhecimento
2. O que é o conhecimento?
PARTE II FONTES DO CONHECIMENTO
3. Conhecimento a priori
4. Percepção
5. Testemunho
PARTE III JUSTIFICAÇÃO
6. Fundacionalismo
7. Coerentismo
8. Internismo e externismo
PARTE IV CEPTICISMO
9. Cepticismo
10. O problema da indução
11. Epistemologia naturalizada
PARTE V ÁREAS DO CONHECIMENTO
12. Memória
13. Outras mentes
14. Conhecimento moral
15. Deus
Glossário
Bibliografia
Filmes
Índice onomástico

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Mais ou menos assim...


I Encontro Filosófico Pucc


Segue o cartaz do primeiro (e espero de muitos) Encontro Filosófico que estou organizando. Já faz um bom tempo que queria realizar um evento de Filosofia nesses moldes, em forma de um debate que pudesse contrapor ideias opostas filosoficamente, ou mesmo problemas atuais. A ideia é realizar um sempre que possível. Desde já agradeço ao Aquiles e ao Edvaldo por permitirem que o evento se realizasse. Participem, e debatam, pois esta será a ideia fundamental desses encontros.

abraços

Thiago Oliveira


terça-feira, 8 de outubro de 2013

Por isso que adoro cachorro, e amo a minha (Léia Skywalker)



Daí para discutirmos se os animais podem construir valores morais, falta pouco (bom, eu já acho que alguns o fazem). A diferença estaria na linguagem auto reflexiva que nós possuímos e a capacidade de descrever tais valores.






NOVA YORK - Cachorros têm sentimentos, defende Gregory Berns, professor de neuroeconomia da Universidade de Emory, nos Estados Unidos. Em artigo publicado no último sábado no jornal “New York Times”, ele afirma: “cachorros são pessoas”. Para chegar a esta conclusão, o pesquisador analisou dezenas de cães num aparelho de ressonância magnética. Os exames foram feitos com os animais completamente acordados, e não anestesiados. Para isto, foi necessário muito treinamento com adestradores, um esforço que permitiu mapear pela primeira vez as reações cerebrais dos cachorros a estímulos.

“Usando a ressonância magnética para analisar a estrutura cerebral dos cachorros, não podemos mais esconder a evidência. Cães, e provavelmente muitos outros animais (especialmente os primatas, nossos parentes mais próximos), parecem ter emoções como nós”, defendeu o especialista no artigo, no qual disse esperar que as pessoas deixem de tratar os bichos como se fossem objetos.
Foram pelo menos dois anos treinando cachorros para que os exames pudessem ser realizados. A primeira “voluntária” foi Callie, cadela de Berns. Treinada com a ajuda do adestrador Mark Spivak, e ensinada a entrar numa réplica do aparelho de ressonância magnética que o pesquisador construiu em casa. Ela não apenas aprendeu a ficar parada no local exato como teve que se adaptar aos protetores de ouvido, em razão da audição sensível aos 95 decibéis de ruído que o aparelho de verdade faz.
Depois de meses de treinamento e algumas tentativas num aparelho de ressonância de verdade, os pesquisadores conseguiram produzir os primeiros mapas da atividade cerebral de Callie. Além de medir as respostas do cérebro dela a estímulos, foi possível mapear as partes do cérebro que distinguem aromas familiares e não familiares.
Com o sucesso, novos voluntários aderiram ao trabalho. Em menos de um ano já havia uma dúzia de cães aptos aos exames de ressonância. Todos foram tratados “como pessoas”. Os cientistas enfatizaram que a participação do cão era voluntária e que, a qualquer momento, ele teria o direito de abandonar o estudo. Por fim, o compromisso era de que não haveria nenhuma sedação.
Os estudos, que ainda estão no início, indicam que há semelhanças entre cachorros e pessoas nas estruturas de funcionamento do chamado núcleo caudado, uma região relacionada aos mecanismos de recompensa. Nos cães, a atividade nesta parte do cérebro também ficou ativa quando o dono do animal reapareceu. Isto está sendo interpretado como um indicativo de que os animais amariam seus donos.
“A capacidade de experimentar emoções positivas, como o amor e o apego, significaria que os cães têm um nível de sensibilidade comparável a de uma criança humana. E essa capacidade sugere que devemos repensar a forma como tratamos os cães”, defendeu Berns.
O especialista vem criticando a forma como alguns animais são tratados. E reclama que as leis permitem que eles sejam tratados como coisas que podem ser descartadas, desde que o devido cuidado seja tomado para minimizar o seu sofrimento.



“Suspeito que a sociedade esteja muitos anos longe de considerar os cães como pessoas”, lamentou o cientista.